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terça-feira, 27 de dezembro de 2016

POEMAS

Por Rejane Aquino*


FESTEJO

Para: Marcelo Amaral


Querido, Natal!
Nele os presentes...
Presentes, presentes
e, também, ausentes.

Há risos e alegria nas caixas .

Em breve, o amigo secreto.
Quero o melhor!
Se eu não ganhar,
ainda resta a ceia.

Comida, comida, mais comida
e minha alma, continua vazia...

Há várias perdições na mesa,
quero todas!

Minha família festeja,
disfarçando dores.
Há maquiagem!
É tempo de natal.

Chove.
Há um mendigo faminto,
lá fora.
Mas o que importa?
Faltam treze minutos
para Papai Noel chegar,
mais presentes.

A noite segue...

Feliz aniversário, Jesus!


________________________________________________________________


Por Rejane Aquino* e Romildo Alves**




.










* Rejane Aquino é formada em Letras pela Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS), professora e poeta.
** Romildo Alves é cordelista cursa Letras Vernáculas na UEFS.

sexta-feira, 9 de dezembro de 2016

SOBRE SER POESIA II

Por Rejane Aquino*


Sejamos poesia farol, 
Poesia ponte, 
Abrigo, 
Flecha, 
Oceano, 
Abraço, 
Poesia equilíbrio, 
Fuga e libertação. 
Poesia liberdade 
Para horizontes cansados... 
Que sejamos poesia vertical, 
Eterna e valsada 
Como nuvens que desaguam concretudes 
Em abismos vagos: 
Poesia libertária.


* Rejane Aquino é formada em Letras, professora e poeta.

segunda-feira, 28 de novembro de 2016

Poema



* Rejane Aquino é formada em Letras, professora e poeta.
* Gaspar Medrado é artista plástico.


segunda-feira, 14 de novembro de 2016

LINGUÍSTICA HISTÓRICA: UMA CIÊNCIA

Por Maria Rosane Vale Noronha Desidério *


É uma realidade universal hoje, o fato de que as línguas não permanecem imutáveis, ao contrário, elas mudam no decorrer do tempo. E é justamente sobre essa mudança que se debruçará a ciência da linguística histórica.

O caráter científico da linguística histórica consiste em descrever, dentro de um contexto teórico, os diferentes processos de mudança de uma dada língua. É preciso, contudo, ter cuidado com o ecletismo teórico, tendo em vista que isto é uma visão ingênua no estudo científico de qualquer corpus. O que se deve fazer é buscar uma síntese conceitual das teorias acerca do corpus, pois assim, não se amontoará pedaços das mesmas, mas sim, uma síntese, de modo a considerar suas complexidades, suas particularidades.

O Estruturalista Ferdinand de Saussure definiu a língua como homogênea, estática, ou seja, imutável, e que esta não se define por si mesma, mas mantêm uma relação de dependência recíproca entre seus termos. Saussure se deteve no estudo da Langue – língua, não considerando a fala, que ele denominou Parole. Dividindo, para tanto, o estudo da língua em diacrônico e sincrônico: sendo a diacronia o estudo da língua do passar dos anos, portanto, histórica;e, a sincronia, o estudo da língua em um período, um recorte de tempo. A diacronia é formada pelos diversos recortes sincrônicos. E, assim, a sincronia precede a diacronia, pois não se pode estudar a história de uma língua sem observar suas fases, seus recortes, ou seja, os períodos em que se supõe,a língua mantém-se estática, sem mudanças consideráveis e definitivas.

É importante mencionar que nos períodos sincrônicos as mudanças estão acontecendo, ainda que pareçam pouco perceptíveis. Por vezes, duas formas são usadas simultaneamente até que uma se sobressaia à outra, e esta última venha a desaparecer. Um exemplo de simultaneidade é o uso dos pronomes tu e você. Ou ainda, a expressão a gente que tem ganhado força no dialeto popular em substituição do pronome nós.

Ao estudar a língua Saussure opta pelo estudo da L-I (língua interna). Que é uma abstração da língua, pois não se tem acesso de fato ao objeto, tendo em vista, que não se pode observá-lo dentro do cérebro. Os gerativistas também optaram pelo estudo da L-I. E, o gerativista Chomsky defende em sua teoria a GU, ou seja, a gramática universal que se localiza no cérebro de todos os humanos e, que, portanto, é biológica. Ao colocar este pressuposto do Inatismo da língua, Chomsky,assim como Saussure, considera a língua homogênea e exclui o aspecto social como influenciador no processo de mutabilidade da língua. Pois, para Chomsky as mudanças percebidas na língua advêm das configurações biológicas do cérebro humano.

Outra corrente chamada interacionista ou mais popularmente conhecida como sociolinguística discorda do conceito de língua homogênea e estática,defendido por Saussure e Chomsky, ao mesmo tempo em que compreende que não se pode estudar a mudança sem levar em conta o aspecto social e histórico das comunidades de fala. Esta corrente tem como objeto de estudo a L-E – língua externa. Portanto, seu objeto é concreto e palpável.

Esses conceitos de língua defendidos pelo Estruturalista Saussure e que depois veio a influenciar os gerativistas receberam inumeráveis críticas de estudiosos da língua, justamente por considerar a língua homogênea e estática. Um dos primeiros a tecer críticas foi Coseriu, que discordou do caráter estático da língua, pois compreendia a língua como um sistema em movimente constante. Ele também questionou a separação da descrição histórica da língua por perceber que esta é um objeto histórico. E, portanto, ao estudar uma língua é preciso que descrição e história, de forma sistemática, caminhem juntas.

Os interacionistas Weinreich, Labov e Herzog criticaram o caráter da homogeneidade da língua, defendendo a criação de um modelo de língua que acomode a heterogeneidade. Por conceberem que a língua é heterogênea, e não homogênea como defendem estruturalistas e gerativistas.

O teórico Volochínov, antes mesmo destes teóricos aqui citados, já pontuava que a ideia de língua como sistema homogêneo é apenas uma abstração científica que não dá conta da realidade concreta e histórica das línguas.

O estudo das línguas se dá através de três vias. A primeira busca reconstruir o passado, recuperando os estágios antigos através do método comparativo. Os defensores desta via consideravam os estágios antigos superiores aos estágios atuais. A segunda estuda o passado com o objetivo de aclarar o presente. Os estudiosos defendem que o estado atual da língua teve um início e compreender este princípio é assimilar o estado atual da língua. A terceira via faz o sentido contrário à segunda, pois defende que é ao estudar o presente que se compreenderá o passado. Esta última teoria é explorada pelos Variacionistas.

Como podemos verificar, o estudo da língua possui mais de um caminho. É preciso que cada estudioso escolha o seu. O que será igual em todos é o fato de que a língua é o mais significativo patrimônio de um povo. Estudar linguística história não é estudar história da língua, mas é debruçar-se sobre as mudanças que as línguas sofrem no decorrer do tempo, Vasculhando tais mudanças nos vestígios deixados. E, ao olhar para o passado, não raras vezes têm-se a impressão de estar diante de outra língua. A exemplo do português do século XIV para o português do século XXI e mais especificamente para o português brasileiro. Isto denota o caráter vivo e mutável das línguas.


REFERÊNCIA

FARACO, Carlos Alberto. Linguística histórica: uma introdução ao estudo da história das línguas. São Paulo: Parábola Editora, 2005.


* Maria Rosane Vale Noronha Desidério é graduanda em Letras Vernáculas da UEFS e cursa o 8º semestre.

terça-feira, 8 de novembro de 2016

MAPA ASTRAL

Por Kananda Sodré*


Legal! Eu sei, ou talvez todos saibam, que algo só nos afeta quando acreditamos na existência, no poder ou o que quer que seja deste algo. E é por isso que hoje pela manhã acordei com essa dúvida: a influência dos signos sobre as características dos indivíduos é algo real?

Como escorpiana, ao que eu sei - ressaltando que eu sei muito pouco - eu deveria ser rancorosa e vingativa, ninguém menciona nada sobre, deixando-me confusa. Bem, se levarmos em conta que a visão do outro sobre nós, nem sempre corresponde a nossa visão sobre nós mesmos, talvez existam pessoas que me considerem rancorosa e vingativa. Mas, acho que a confusão é nítida para ambos os lados: o meu e o outro.

Bom, acho que nós, os escorpianos, também somos bastante intensos e, por experiência própria, posso afirmar que não gostamos de ser controlados, aprisionados ou forçados. Talvez essa seja a razão de toda a minha confusão, já que a vida é inevitável e definitivamente é feita de escolhas. É quase uma obrigação ter de escolher e eu não gosto de obrigações, mas nada tenho contra as escolhas.

Ao contrário, é bom saber que tenho a liberdade de escolha, embora nem sempre saibamos o que fazer com a nossa liberdade. O grande problema é que eu não tenho o mais importante ante a uma escolha: a decisão. Pois, como já dizia Cora Carolina "[...] Cabe a mim a decisão entre ir ou ficar, rir ou chorar..." E qual seria o signo da Cora?

Bem, acho que mesmo com a influência dos signos a confusão que corrobora em cada um é o inevitável medo do desconhecido, no fim temos de escolher, temos de decidir. E mesmo com meu mapa astral todo pronto, guiada pelas luas, pelas cores, pelos números... No final, será sempre a minha decisão de segui-lo (ou não) que determinará a frequência de sorrisos e lágrimas do meu dia. Até porque o futuro e o próximo segundo a Deus pertencem e como diria Clarice Lispector: "[...] É tudo tão incerto".


* Kananda Sodré cursa Letras na UEFS.

sábado, 22 de outubro de 2016

Envie imagens para a capa da 10ª edição!

AGRADECEMOS A TODOS OS QUE CONTRIBUÍRAM PARA A SELEÇÃO
EM BREVE DISPONIBILIZAREMOS AS CAPAS PARA VOTAÇÃO PÚBLICA.

Atenciosamente,
Conselho Editorial
Equipe Graduando



Graduand@s em Letras da UEFS,


Estamos iniciando mais um período de recebimento de imagens para a capa de nova edição da revista acadêmica da graduação em Letras da UEFS!

Somente graduand@s em Letras da UEFS podem participar.

Enviem imagens como fotografias, desenhos (gráficos ou não), de própria autoria, cujo tema seja:

 “UEFS: 40 anos entre o ser e o saber”

O período para envio ocorrerá  entre 24/10 e 06/11.

Enviem imagens para o e-mail revistagraduando@gmail.com.


Vamos participar, Graduand@s em Letras da UEFS!


Equipe Graduando


segunda-feira, 25 de julho de 2016

VENDO

Por Danilo Cerqueira *


A imagem não está à frente
é sombra de luzes opostas
banda de rodagem
na terra de pedra e gozo
fora do mundo, fora de ordem
fora da frente

Doa-se, lúmica, limítica...
excesso de unha, o renovo a uma só disposição:
ver ou não ver o milk shakespeare... Outra:
quarenta e seis beijinhos para... uma criança!
Entrego-a somente em letra, somente
Repetidas vezes às destacadas vozes...
Todo turvo para o que me tem por indistinto.

* Danilo Cerqueira é licenciado em Letras Vernáculas (2010), além de especialista (2012) e mestre (2014) em Estudos Literários, todas graduações pela UEFS. É revisor, professor e membro do conselho editorial da revista Graduando: entre o ser e o saber.

segunda-feira, 11 de julho de 2016

PRISÃO E LIBERDADE

Por Josenilce Barreto*


Era 08 de junho. Dia ensolarado num lugar em que ela nunca havia estado. Era um dia comum do calendário, sem nada especial a ser lembrado ou comemorado, mas jamais seria esquecido por ela.

Estava em Paris, caminhando pela cidade: Torre Eiffel, Musée d'Orsay, Museu do Louvre, Catedral de Notre-Dame, Jardim de Luxemburgo, Basílica de Sacré-Coeur .... e por fim a Pont des Arts. Nesta, ela vê um muro de cadeados presos por correntes ou seria a separação entre o antes e o depois dos casais apaixonados que passaram por ali? Na verdade, apenas mais um lugar para se conhecer...

Aproximou-se. Viu muita gente exalando AMOR. Sim, o amor tem perfume e ainda mais em Paris, ora!

Não resistiu. Atreveu-se e tocou em um dos cadeados (já que não levara o seu próprio!). No toque, sentiu... Era como se a história daquele cadeado também fosse a sua e, como tal, soube que o amor ali estava acorrentado.
 – Mas como podem prender o amor? – pensou em voz alta – Se dizem que ele deve ser livre?

Durante os 30 segundos em que tocou o cadeado, soube de uma coisa: não permitiria que o SEU AMOR fosse preso, acorrentado, esmagado em um cadeado. Nisto, sentiu que precisava sair logo dali antes que o prendessem, sem chance de fiança.

Correu, correu, correu... cansou, parou, olhou... Eufórica, se assustou, se levantou da cama, foi ao banheiro, lavou o rosto, olhou-se no espelho e decidiu-se:
- AMOR é LIBERDADE! E como tal não permitirei que os tirem de mim!
Então foi em direção à janela. Abriu-a. A brisa entrou. A liberdade e a razão também. E todas juntas decidiram que o amor só entraria novamente se não acorrentasse o ser e a liberdade.

Era 08 de junho, dia em que a ponte desabou e os cadeados foram quebrados...


* Josenilce Barreto é graduada em Letras Vernáculas e mestra em Estudos Linguísticos pela Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS), além de lecionar na mesma instituição. Também integra o conselho editorial da Graduando.

segunda-feira, 4 de julho de 2016

ESTRELA DA MANHÃ

Por Fabrício Oliveira*


Aquelas árvores verdes em frente ao mar
a brisa leve e calma
- afagam a minha alma.

Indo a pé
ouvirei as árvores florindo.


* Fabrício Oliveira é graduando pela Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS).

segunda-feira, 20 de junho de 2016

SENTIDOS

Por Josenilce Barreto*


Via flashes! Via fotografias! Via sonhos! Via utopias! Quanta opacidade nessa miragem!

Olha. Não vê! Toca. Não sente! Cheira. Qual cheiro? Bebe. Não sente o gosto! Ouve. Não sabe quem!

Quantas ilusões! Como podem os seus sentidos lhe traírem assim?

Olha no espelho e não se reconhece: Quem é este ser pálido, enrugado, desorientado e preso no reflexo diante de si? O que fizeram com ela? Simples, arrancaram-lhe a vida! E sem esta, que sentido há em estar ali?

Grita. Ninguém lhe ouve! Escorrega. Ninguém lhe segura! Cai. Ninguém lhe levanta! Tenta fugir de si. Ninguém lhe ajuda!

Que vida é esta em que ninguém lhe vê, lhe toca, lhe cheira, lhe saboreia, lhe ouve, lhe AMA? Qual o sentido nisso tudo? Velha, quase cega, quase surda, quase muda, trêmula e agora já desconhece os sabores da vida... Restaram-lhe apenas os dissabores que regam os seus recentes, últimos dias.

De repente, a imagem no espelho se dissipou. Ela saiu do banheiro. Voltou à sua gastada poltrona. Pegou o seu pincel, tintas e tela. Finalizou a pintura. Viu, diante de si, um autorretrato: uma mulher velha, quase cega, quase surda, quase muda, trêmula e que desconhece os sabores da vida.

Eram 21:00 e o sino tocou: “Hora de velho ir dormir”, diziam os mais jovens. A luz apagou e o asilo dormiu.


* Josenilce Barreto é graduada em Letras Vernáculas e mestra em Estudos Linguísticos pela Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS), além de lecionar na mesma instituição. Também integra o conselho editorial da Graduando.

terça-feira, 14 de junho de 2016

MINHA QUINTA SINFONIA

Por Abimael Ferreira*


Mais um dia chuvoso e lá estava eu, sentado no canto daquele escuro porão, como de costume, lendo os meus gibis e escutando minhas músicas. Para muitos, escutar as canções de Beethoven era algo avançado para minha idade, mas na verdade eu nunca me importava. Todos os comentários só aumentavam a vontade incontrolável do garoto louco de nove anos.

Eram quase sete da manhã, quando minha mãe gritava desesperadamente o meu nome:

- Gabriel, saia desse porão e venha tomar seu café, filho. Estou indo para o trabalho e preciso que você se alimente bem e faça as atividades da escola. À tarde, teu tio Clovis passará aqui para te levar até o colégio, portanto, sem travessuras e obedeça ao tio, ele está sendo muito gentil conosco.

Depois de ouvir a voz de minha mãe a me chamar, desliguei a vitrola, subi as escadas, fui até a mesa, comi alguns biscoitos. Na correria, acabei derramando o copo de suco sobre minha roupa, mas não me importei muito, fui para o meu quarto, comecei a fazer as atividades da escola. Quando terminei, desci novamente para o porão. Sempre ao entrar, tinha uma sensação de proteção, de alívio, era como estar no paraíso, sem ninguém para atrapalhar a calmaria das minhas canções e a viagem no mundo dos meus gibis. Durante o meu momento de paz, sou interrompido com o barulho da fechadura. Em seguida, escuto a voz do tio Clovis:

- Gabriel, onde está você, meu garoto? Precisamos ir para a escola.

- Estou no porão, tio.

Em seguida, escuto o som dos seus passos se aproximando.

- Já está pronto para ir?

- Ainda não, preciso subir e me arrumar!

- O que aconteceu com sua roupa? Está toda manchada!

- Na correria para tomar o café e fazer a tarefa, acabei derramando o copo de suco.

- Tome mais cuidado da próxima vez! Deixe eu te ajudar!

De imediato, o tio Clovis tirou a minha camisa e olhou para mim de forma intimidadora, em seguida escuto o som do abrir do zíper. Foi então que me perguntei: “Mas é minha roupa que está manchada, e não a dele”. Ele colocou suas mãos frias e calejadas sobre minha boca, então ele falou:

- Silêncio meu garoto, só estou lhe ajudando.

Então permaneci em silêncio, até porque a mamãe me disse que eu deveria obedecer ao tio Clovis. Ao som de Beethoven, da chuva e de um choro desesperador, aquela manhã finalizou.

Depois de toda a cena, corri para o banheiro, tomei um banho na tentativa de esquecer tudo aquilo que havia acontecido. Apesar de estar com o corpo lavado, minha alma permanecia suja e vazia, meus pensamentos estavam entrelaçados com lembranças obscuras, a pior parte era saber que teria de ir para a escola com ele, a pior parte era saber que teria de agir normalmente, como se nada tivesse acontecido. Então entrei no carro, sentei no banco de trás, e ele tocou em minha perna, uma lágrima desceu dos meus olhos e então ele disse:

- Não aconteceu nada, meu garoto, este será um segredo nosso, por isso, estou lhe dando de presente um disco do Beethoven. Você gosta dele né?

Permaneci em silêncio, apenas com lágrimas nos olhos.

Cheguei à escola, sequei as lágrimas, entreguei a atividade e tentei transparecer estar bem. Mas a cada sorriso aberto, sentia um rasgar no peito. Depois de uma longa tarde, a mamãe passou na escola para me buscar, me abraçou forte e me perguntou:

- Olá, meu filho, como foi o dia?

Pensei milhares de vezes em me libertar de toda aquela dor, eu não poderia conviver com todo peso sobre mim, então decidir falar:

- Mamãe, preciso contar uma coisa, o tio Clovis...

Fui interrompido com sua voz de entusiasmo dizendo:

- Olha um disco do Beethoven, que legal, filho! Foi teu tio que te presenteou?

- Foi sim, mãe!

- Incrível! Desculpa te interromper filho, o que você estava dizendo?

- Nada mãe, só ia dizer que o tio Clovis tinha me dado esse disco.

Ao chegar, desci desesperadamente para o porão, eu precisava me libertar das canções que teriam atraído o mal para perto de mim, eu tinha uma imensa necessidade de apagar todas as lembranças. Quebrei todos os discos do Beethoven. Subi para o quarto, tranquei a porta, e tentei lavar a alma com as minhas lágrimas. Dali em diante, nunca mais retornaria ao porão, pois o lugar que me trazia paz e segurança, tinha se tornado um verdadeiro “matadouro”. Sim, lá ficaram mortos e enterrados todos os meus sonhos.


* Abimael Ferreira é estudante do do 4º semestre no curso de Letras vernáculas da UEFS,

quarta-feira, 8 de junho de 2016

POEMAS

Por Fabrício Oliveira*


NO ENTARDECER

Passando pelas vielas do amanhã
vi uma borboleta
e sobre a borboleta
um homem vestido de doido.



EU E OS PASSARINHOS

seguiremos as nuvens
e os cavalos.



* Fabrício Oliveira é graduando em Letras Vernáculas pela Universidade Estadual de  Feira de Santana (UEFS).

sexta-feira, 3 de junho de 2016

CONTAGEM

Por Josenilce Barreto*


Ela tinha um, dois ou talvez três ou quem sabe quatro... a quantidade pouco importa, desde que o que ela tenha seja suficientemente completo.

Todos os dias, ela se levanta de sua cama, pensa em como poderá ser seu dia, então toma um café e começa a chover. E no barulho da chuva, fervilham-lhe os pensamentos ou seriam as inquietações? Quem sabe...

O saber parece pertencer a alguém, mas e se ela nem soubesse que pertencia ao saber e não o contrário? Bem, são apenas possibilidades...

Ela, assim como outros, pensa que sabe, mas, como já dito, o saber é quem nos pertence!

Então ela vai contando, a cada dia, os livros que encontra perdidos em sua estante. E nessa conta lá se vão um, dois, três ou quem sabe quatro histórias perdidas... quer dizer, esquecidas! Esse esquecimento não completa o saber, pois este vai-se completando, completando, completando... à medida que vai tomando para si alguém... E ela, ciente de seu pertencimento ao saber, não lhe ousa deixar. 

Deixar, esquecer, perder... são verbos que não lhe pertencem. À ela são compatíveis o aprender, o escrever, o pensar, o saber, o amar, o pertencer ao conhecimento.

A chuva se foi, os pensamentos também. O livro foi fechado, as histórias ficaram jogadas novamente na estante. E de novo o tempo parou, o barulho no telhado cessou e em outro dia chuvoso, talvez ela volte a contar um, dois ou talvez três ou quem sabe quatro livros lançados na estante...


* Josenilce Barreto é graduada em Letras Vernáculas e mestra em Estudos Linguísticos pela Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS), além de lecionar na mesma instituição. Também integra o conselho editorial da Graduando.

sexta-feira, 27 de maio de 2016

MAIS DE 60 MIL ACESSOS NO BLOG!


É com grande satisfação que anunciamos que o blog da Graduando alcançou 60.000 (sessenta mil) acessos.

Agradecemos a todos e a todas que contribuíram e contribuem para que sejamos acessados e, consequentemente, lidos. 

Sentimo-nos orgulhosos do crédito e do reconhecimento ao nosso trabalho.

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Muito obrigada!
Equipe Graduando

segunda-feira, 11 de abril de 2016

LITERATURA LATINO-AMERICANA: UMA LITERATURA ANTROPOFÁGICA

Por Maria Rosane Vale Noronha Desidério*


Pensar em literatura brasileira é quase sempre ouvir as vozes de outras literaturas. Os escritores nacionais, quase sempre em suas buscas pelo original, esbarraram na cópia, na transferência de estéticas europeias. Tudo começou com a colonização. O povo que aqui se formou a princípio só podia ler a literatura portuguesa. E quando finalmente o Brasil ganhou ares de império, já estava tão impregnado pelos modelos literários europeus que não conseguiu firmar-se nacional em sua escrita. José de Alencar, por exemplo, ao escrever O Guarani, esbarra na visão de um índio que jamais existiu no Brasil. Era uma cópia do bom selvagem de Rousseau. Uma tentativa de criar um herói nacional, porém esse estava impregnado de valores medievais europeus.

Alencar pretendeu falar de nacionalidade, pretendeu dar os contornos da identidade brasileira, mas assumiu uma literatura altamente europeia. Tanto que nem sequer conseguiu representar o índio nacional como ele era ou fora um dia. O Romantismo brasileiro respirava a Europa. E os românticos definiam a identidade nacional ao som das vozes francesas. Gonçalves Dias, ao escrever o poema “Canção do exílio”, seguia, ainda que indiretamente, os conselhos dos franceses, que mostraram aos escritores brasileiros o viés para que estes definissem a identidade do Brasil, um país tão jovem intelectualmente e tão complexo socialmente. Esse viés era a natureza natural, rica, exuberante e exótica.

No Realismo/Naturalismo, os escritores buscaram incessantemente revelar a face mais nua e real do país. Mostrar o povo no seu opróbrio, nos seus vícios, na mesquinhez humana. Mas ainda assim, foram as teorias cientificistas que ditaram a maneira que os escritores leram o Brasil do século dezenove. O exemplo mais profundo do enraizamento das ideias cientificistas europeias, impregnadas no pensamento nacional e no modo do brasileiro ver a si mesmo, se encontram eternizadas no livro O Cortiço, de Aluísio Azevedo.

Estes são alguns exemplos do quanto a literatura nacional esteve atrelada à europeia, destacando-se a portuguesa e a francesa. Essa dificuldade em produzir uma literatura autêntica muito incomodou os estudiosos do assunto. A busca pela estética nacional sempre esteve na pauta das discussões literárias nacionais, mas nunca se conseguiu encontrar um caminho para a total alforria intelectual do Brasil.

E seria insano pensar em alforria total? Provavelmente. Os escritores nacionais vêm de uma tradição antiga: a da leitura voraz dos clássicos mundiais. É natural que a estética nacional esteja impregnada de outras literaturas. Mas isso é de todo ruim? Não. O fato do escritor brasileiro se deixar influenciar por outras tradições literárias não faz dele um mero reprodutor, uma máquina de xerox intelectual. É clara a influência estrangeira, como também é clara que uma ruptura absoluta com essa influência é praticamente uma fantasia. Principalmente em tempos como os de hoje, século XXI, onde as distâncias são reduzidas pelos meios digitais e as ideias circulam muito mais rápidas.

Os anos 20 do século passado trouxeram certo alívio quanto a essa questão das influências na literatura nacional. Oswald de Andrade, consciente de que as ideias estrangeiras estavam impregnadas não só em nossa literatura, mas em toda a nossa cultura – afinal, a própria linguagem usada nos textos e no falar erudito se voltava para o português de Portugal –, trouxe o conceito de antropofagia intelectual. E admitiu que sim, copiamos e digerimos várias ideias europeias, mas ao digerirmos, nós absorvemos delas apenas o que nos interessa, e ao absorvermos, nós a transformamos, adaptamos ao nosso contexto. E assim, essas ideias se tornam outras. Tornam-se nossas.

Assim, o “entre-lugar” da literatura não só brasileira, mas de toda uma tradição latino-americana não pode ser diminuída porque há forte influência europeia. As influências foram e são digeridas. E, a literatura latino-americana, ao deglutir as influências do “Outro”, não as reproduzem inconsciente e inconsequentemente, o fazem de maneira que o Brasil e a América latina se revelem em suas particularidades, de modo que podemos dizer que a literatura latino-americana é dos latinos americanos e não dos europeus. Somos antropofágicos sim, mas não meros copiadores.


* Maria Rosane Vale Noronha Desidério é graduanda em Letras Vernáculas - 7º semestre.

sábado, 19 de março de 2016

POEMA EM QUE CITO A AÇÃO

Por Danilo Cerqueira*


Neste poema, em que cito a ação
não está fundada a hipoesia
antes fosse, abancada, séria
ensimesmada, a justiça poética... corrigida

De peito a seio, visaste, vibraste a pauta!
Seres e coisas, animais e sobrenaturais
elevam cantos e ordens...
sobre ondas e ares...
saboreiam-se as fervescências
as ideias pequenas, o entalo na língua...

- Aonde foram os ventos vocais?
- Onde fica o conhecimento!
- Até quando a mente se emuda, aninhando
a ida e a ira entre a mentira e a lamúria?...
Ó, poesia inútil e instrumento per-verso
Queixume saboroso, de ilibado a ilusório
Martelo e espanador... moeda em pé!

19/03/2016


* Danilo Cerqueira é licenciado em Letras Vernáculas (2010), além de especialista (2012) e mestre (2014) em Estudos Literários, todas graduações pela UEFS. É revisor, professor e membro do conselho editorial da revista Graduando: entre o ser e o saber.

sexta-feira, 11 de março de 2016

OSWALD DE ANDRADE E O MANIFESTO PAU-BRASIL

Por Maria Rosane Vale Noronha Desidério*


“A poesia começa nos fatos.” Esta foi a primeira frase do manifesto Pau-Brasil. Oswald de Andrade já começa o seu texto com uma grande defesa do modernismo. Era preciso falar das coisas que estavam ali, ao redor de todos. Era preciso falar do cotidiano, falar das coisas próprias, genuínas do Brasil.

O manifesto Pau-Brasil foi lançado em 1924 por Oswald de Andrade, o grande agitador do movimento, mas também um grande revolucionário, que pregou, com seu manifesto, o fim dos arcaísmos e da erudição na língua brasileira. Ele disse: “A língua sem arcaísmos, sem erudição. Natural e neológica. A contradição milionária de todos os erros. Como falamos. Como somos.” Isso mostra uma característica do movimento modernista, a busca por uma língua nacional. A língua falada nas praças, nos bares, nas casas. Porque esta era de fato a língua que representava a brasilidade. Essa defesa pelo falar genuinamente brasileiro pode ser observada no seu poema Pronominais. Vejamos: “Dê-me um cigarro/ Diz a gramática/ Do professor e do aluno/ E do mulato sabido/ Mas o bom negro e o bom branco/ Da Nação Brasileira/ Dizem todos os dias/ Deixa disso camarada/ Me dá um cigarro.” Aqui fica claro a defesa por um português brasileiro, livre da erudição, dos arcaísmos, que já não se percebiam mais na comunicação habitual das ruas, da vida cotidiana.

Oswald buscava uma poesia que expressasse o Brasil presente, que pudesse captar o cotidiano. E para isso era preciso vencer as resistências acadêmicas dos intelectuais que teimavam em não mudar. A arte precisava ser modernizada, mas sempre havia a rigidez atroz da Academia Brasileira de Letras. Oswald desejava que as novas ideias pudessem encontrar espaço no meio de tanto retrocesso cultural. E que finalmente a poesia encontrasse sua liberdade. Uma liberdade aprisionada pela rigidez da forma e da estética.

No manifesto, Oswald diz: “Só não inventou uma máquina de fazer versos – já havia o poeta parnasiano.” É nesse estilo provocador que o poeta demonstra o desejo de salvar a poesia desse estado estático e preso à métrica parnasiana. A impressão que se tem é que o estilo parnasiano lança a poesia em um estado quase industrial. Como se cada verso parnasiano fosse levado a uma máquina, colocado em uma forma, e então, saísse pronto, semelhante a uma mercadoria encomendada. Oswald queria liberdade.

As vanguardas europeias muito influenciavam o poeta. Ao chegar da Europa, Oswald concluiu que seu país estava a anos-luz atrasado no que se referia à arte. A semana de 22 arrasou a São Paulo intelectual. Foram três dias destruidores. E, efetivamente, essa era a necessidade inicial, uma ruptura com o passado para criar a modernidade nas artes, na literatura.

O manifesto Pau-Brasil foi uma consequência da semana de 22. Depois, Oswald trouxe o manifesto Antropofágico, um desdobramento do Pau-Brasil, e ao mesmo tempo uma resposta ao Verde Amarelo e Grupo da Anta, de Plínio Salgado e seus amigos.

Nas palavras de Oswald: “O contrapeso da originalidade nativa para inutilizar a adesão acadêmica.” Era preciso abandonar o academismo, mergulhar na natureza brasileira, encontrar sua identidade, revisitar o nativo, experimentar novas estéticas, falar do cotidiano. Era preciso uma ruptura definitiva com o passado. Isso, para aquela época, era uma grande orgia intelectual, uma revolução. Mário de Andrade, amigo e também participante ativo do movimento – aliás, um dos maiores nomes da primeira fase –, disse, acerca da primeira década do modernismo no Brasil, que “vivemos uns oito anos, até perto de 1930, na maior orgia intelectual que a história artística do país registra.”

Apesar do movimento modernista ter sido recebido de maneira extremamente hostil, durante a semana de 22, ele atingiu em cheio a arte brasileira, transformando, de maneira definitiva e sem volta, a arte e a literatura nacional. O manifesto Pau-Brasil reflete a convulsão das ideias modernistas nesse primeiro momento pós semana de 22.


* Maria Rosane Vale Noronha Desidério é graduanda em Letras Vernáculas - 7º semestre.

quinta-feira, 3 de março de 2016

As Vestes do Vento

Por Danilo Cerqueira*


Quais são estas vestes, Poeta Solidade Lima? De que (i)material elas são feitas? Sendo oriundas do vento, de onde vêm e para onde irão?... As respostas não são fáceis… ou são tão fáceis que não podemos, em função de nosso mundo mediocraticamente desarejável, ver ou entendê-las.

Os ventos de Solidade Lima sopraram. Por meio de palavras no papel, é um movimento que, em nossa leitura, reconstrói a poesia de uma das faces do uni-verso da poética do autor: desconfio que As Vestes do Vento são as palavras, mas a oportuníssima incerteza é do poeta. Sem dúvida, pluralizar é uma tônica nos poemas do livro e da poesia que evola quando os olhos se movimentam sobre as letras: textos, títulos, tempos, estados, previsões, provisões, culturas, disposições anímicas para a matéria e a imatéria retintam as crias do poeta. Arte literária, vivências e incitações ao ser humano que perambula nos caminhos da vida bafejam dos versos. Assim, à leitura, sente-se a palavra dita sob contemplação temporal, laica e chistosa do cotidiano, como o vento que não volta mais e se entrega ao acaso do movimento invisível, mas não insensível ao que nos circunda a existência.

O que há de invisível existe em todos os espaços, e parece que As Vestes do Vento sopra em algumas pistas a respeito delas. Os saberes em linhas e linhas de palavras ao espaço das páginas, que podem ser listados e referenciados desde a primeira leitura do que o vate Lima escreve, entregam-se à palavra poética de maneira enlevar quem os lê para uma viagem pela cultura de certo olhar conjugador: o autor e leitor, do texto e do mundo, estão ao vento. Sem distinção de quaisquer elementos concretos e abstratos, esta poesia em vento, que tudo lê, tudo vê e tudo sente, forma-se em função do movimento de leitura, para depois se independer do ar, como a letra do pensamento. Assim, os poemas do livro refletem o quanto admiravelmente destemida é a perspectiva contingentemente holística do que é lido. A especificidade poética dos poemas, inseparável das palavras em qualquer instantâneo de percepção, incita à questão sobre o que é vida além dos seres e das coisas: As Vestes do Vento trata do cotidiano de um em verso, da relação proferida pelo sopro indistinto de um eu-poético, traje das vozes que o podem declamar. Poemas como “Antoptose do Destino”, “Desespelhando Sonhos”, “Teledetecção Remota”, “Íntimo Ornamento”, “O Cio do Ócio” e “O Inconsciente Chiste” compõem o livro de cantos diversos e telúricos dessa voz poética e ubíqua que é o vento, sem esquecer da visada, do “sabor umbilical” presente mesmo no mar, do poema “Metáfora à Deriva Numa Garrafa”.

As harmonizações entre vento e poesia perambulam em destaque nos poemas e versos do livro de Solidade Lima. As vestes, em suas palavras, são muitas, são várias, mas não são as mesmas para todos; não são facilmente conviviais, porque as pessoas são muitas, os leitores são muitos, suas cabeças... e a cidade destes ventos é, como diz o poeta em “Canto Metropolitano”, infinita. Que também o seja a sua poesia, a vitalidade de seu fazer poético, para ele e para nós.


* Danilo Cerqueira é licenciado em Letras Vernáculas (2010), além de especialista (2012) e mestre (2014) em Estudos Literários, todas graduações pela UEFS. É revisor, professor e membro do conselho editorial da revista Graduando: entre o ser e o saber.


segunda-feira, 22 de fevereiro de 2016

DUAS OPÇÕES UMA ESCOLHA

Por LILIAN MARIA*


Uma me promete tudo:
Tudo não me preenche.
Outra não promete nada,
E nada me convida a ser.

Contemplo o silêncio, o outro, os sinais.
No silêncio te escuto,
No outro te vejo,
Nos sinais, ah, nos sinais me chamas.


* LILIAN MARIA é graduanda em Letras com Espanhol na UEFS e cursa o primeiro semestre.

terça-feira, 16 de fevereiro de 2016

PELOS OLHOS DE PERO VAZ DE CAMINHA – UM BRASIL

Por Maria Rosane Vale Noronha Desidério*


Quando Pedro Álvares Cabral e sua comitiva atracaram, no ano de 1500, em terras americanas, desconheciam o seu verdadeiro paradeiro, mas estavam a ponto de marcar definitivamente o destino de uma terra até então quase desconhecida. Era o começo do fim de muitos povos, línguas e culturas indígenas. A comitiva de Cabral havia perdido a oportunidade de encontrar um caminho para as índias por meio do atlântico, mas “achado” uma mina fabulosa de riquezas naturais para abastecer os cofres públicos de Portugal em tempos de apertos futuros.

As primeiras impressões dessa “descoberta” estão registradas na carta que Pero Vaz de Caminha escreveu à coroa portuguesa, relatando aquele achado. O Brasil ganhava ali, segundo Stegagno-Picchio (1997), o seu “Atestado de Nascimento”. Para o escrivão da comitiva, aquela terra soava fantástica, rica em belezas naturais. Praticamente uma extensão do jardim do éden. Mas não só a natureza era extraordinária e exótica, também os habitantes da terra batizada de Vera Cruz. Estes eram em tudo “inocentes e gentis”. Seres beirando a animalidade, mas que estavam prontos para receber de mentores “sábios e capazes” toda a instrução necessária para se tornarem homens de fé, católica, naturalmente.

Pero Vaz não consegue enxergar naquelas figuras humanas nenhuma malícia, nem sua riqueza cultural. Os indígenas eram para ele uma folha em branco, necessitados de receber da coroa portuguesa a cultura e a fé que lhes faltava. Cobrir a nudez dos índios, não só corporal, mas principalmente espiritual e cultural, era para Caminha uma missão da coroa portuguesa. A imagem dos portugueses cobrindo os índios que dormiam na nau do capitão é carregada de simbolismo. O pano português desejou cobrir os índios com a cultura, a religião e as mãos poderosas da coroa lusitana. Dominá-los. Esse é o grande simbolismo por traz desse pano. O domínio.

Caminha busca em toda a carta mostrar à coroa portuguesa o quanto é fácil conquistar aquela terra e sua gente. As palavras “gentis” e “inocentes”, na carta, ao mostrar o quanto aquele povo era solícito e aberto, levam a crer que os indígenas não ofereceriam nenhum tipo de resistência diante de uma possível colonização. Eles estavam despidos, e os portugueses, em um ato humano e paternal, tinham o dever de vesti-los. O único impedimento parecia ser a comunicação verbal, mas, driblada essa dificuldade inicial, nada poderia impedir os braços paternais de Portugal a conduzir aquele povo à servidão e à submissão para o seu benfeitor. E de preferência uma submissão banhada a ouro da nova terra. Os lusitanos trocariam tal metal por algumas facas e outras coisas de menos valia. Os próprios índios carregariam os navios com o ouro e demais riquezas encontradas, enchendo assim os cofres de Portugal. Esse fora certamente um desejo acalentado no coração português. Desejo realizado tempos depois, principalmente pelas mãos dos negros escravizados da África.

Essa é a grande mensagem da carta de Caminha: A terra é boa, o povo é bruto, bárbaro e não oferece nenhuma resistência. Gostam de folgar e dançar. Trocam suas riquezas por qualquer coisa que lhes ofereça. Nos servirão de bom grado. Em troca, preencheremos o seu vazio intelectual e cultural. Seremos seus mentores, seus líderes, seus donos.

Essa ideia leva muitos a crerem que o índio nunca resistiu. Que este jamais ofereceu resistência ao pano português, cobrindo-os com o poderio lusitano. Mas, na realidade, a história foi contada sempre camuflando ou amenizando a luta e a resistência indígenas. Ao contrário do que Caminha disse, o Índio não era uma tábua rasa e inocente. E não baixou as flechas perante a dominação portuguesa. A Confederação dos Tamoios é apenas um exemplo dessa luta. Mas, notadamente, é difícil à flecha, ainda que imbuída de muita coragem, vencer a arma de fogo. E a prova maior dessa resistência aborígene está nos números que revelam um verdadeiro massacre, levando ao quase desaparecimento dos povos indígenas brasileiros.

A carta de Caminha alcançou um poder de convencimento tão grande, ela tornou-se tão poderosa que até os dias atuais ouve-se o eco de suas palavras na mentalidade do outro estrangeiro e do próprio brasileiro quando se deseja definir o Brasil. Afinal, o que há de bom no Brasil? A resposta a essa pergunta é rápida. O Brasil tem uma riqueza natural maravilhosa e um povo gentil e hospitaleiro. Nada sobre nossa capacidade intelectual. O mundo ainda nos lê pela velha carta de Caminha.


Referências

PEREIRA, P. R. Os três únicos testemunhos do descobrimento do Brasil. Rio de Janeiro: Lacenda, 1999.

STEGAGNO-PICCHIO, L. História da literatura brasileira. Rio de Janeiro: Nova Aguilan, 1997.


* Maria Rosane Vale Noronha Desidério é aluna do curso Letras Vernáculas - 7º semestre - UEFS.

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