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terça-feira, 29 de março de 2011

O que é uma revista acadêmica?



 


O que é uma revista acadêmica?

Desidério Murcho

Como diretor executivo da revista Disputatio tenho recebido ao longo dos anos várias cartas e emails de pessoas que me perguntam dois tipos de coisas: "Por que razão quase só publicam artigos de estrangeiros? Por que razão não publicam artigos sobre X ou Y?" Tenho respondido a estas perguntas ficando com a sensação de que há algo de mais profundo que precisa ser esclarecido: o próprio conceito do que é uma revista acadêmica.

A maior parte da comunidade filosófica nacional tem uma concepção errada do que é uma revista acadêmica. Pensam que uma revista acadêmica é uma coisa como a Crítica, ou como um jornal. E isto é profundamente alarmante. O meu objetivo neste pequeno texto é dar uma ideia do que é realmente uma revista acadêmica.

Uma revista acadêmica tem uma direção e um quadro, permanente ou não, de consultores. O trabalho da direção consiste em ler os artigos submetidos e dá-los a ler a um ou mais consultores, especialistas da área. Tanto a direção como os especialistas que irão ler os artigos desconhecem a autoria do artigo. Só o secretariado da revista sabe quem é o autor. A autoria só é revelada à direção caso o artigo seja aceite para publicação. Caso seja recusado, ninguém sabe quem foi o autor, exceto o secretariado da revista, em geral uma única pessoa que trata da correspondência com os autores. No caso da Disputatio, essa pessoa sou eu.

Qual é o objetivo deste secretismo? Simples: procurar a qualidade acadêmica. O conhecimento da autoria pode influenciar as decisões quer da direção quer do consultor. A direção ficaria numa situação incômoda se quisesse recusar um artigo de um professor reputado; ou teria talvez relutância em publicar um artigo de um estudante, ou de um desconhecido. Mas se não souber quem é o autor, irá dar atenção unicamente à qualidade do artigo, e não à sua autoria.

O sistema de submissão e avaliação anônima de artigos faz parte da prática corrente de todas as revistas acadêmicas do mundo, de todas as áreas — da física à matemática, da filosofia à história, da teologia à musicologia. É assim que se trabalha nas universidades sérias. Infelizmente em Portugal, na área da filosofia, só a Disputatio trabalha deste modo. As restantes revistas de filosofia não são assim.

Tanto a direção como os consultores que nos dão um parecer quanto à qualidade do artigo submetido procuram ser imparciais. Não é raro receber-se um relatório de um especialista que diz "Discordo totalmente do que o autor diz, mas ele defende-o muito bem e com óbvio domínio da bibliografia relevante, pelo que deve ser publicado".

Este sistema de anonimato não pretende apenas corrigir os erros de favorecimento ou desfavorecimento da direção e dos consultores. É também uma forma de procurar ativamente evitar publicar erros crassos, o que faria perder tempo aos leitores e deitaria por terra a possibilidade de progresso intelectual na área. O fato de um artigo ser lido por mais de um especialista especificamente para tentar encontrar erros é um filtro que não garante artigos sem erros, mas que os limita ao mínimo humanamente possível. (Sobre a importância do erro na prática acadêmica e na investigação toda a academia portuguesa devia ler o prefácio do livro O Mistério do Bilhete de Identidade e Outras Histórias de Jorge Buescu.).

O sistema de anonimato é mau? Sem dúvida que sim. É tão mau como a democracia. Infelizmente, apesar de ser mau, é o melhor de todos os outros sistemas. Não é imune ao erro? Sem dúvida que não. Mas a percentagem de maus artigos é muito menor nas revistas com submissão anônima do que nas outras. É uma garantia de qualidade? Sem dúvida que não. Mas a probabilidade de haver artigos de alta qualidade nas revistas com submissão e avaliação anônima de artigos é muito superior ao das revistas sem esta prática. Pode acontecer que a direção e os consultores recusem um artigo genial e aceitem um que é um disparate? Sem dúvida que sim. Mas a probabilidade de isso acontecer é muito mais reduzida se várias pessoas especializadas tentarem imparcialmente avaliar a qualidade do artigo do que se eu estiver a ler um artigo de um amigo meu... ou de um inimigo. O sistema das revistas acadêmicas sérias está concebido para limitar na medida do possível as várias tolices humanas que nos toldam o pensamento e desorientam a decisão.

Como Jorge Buescu afirma no seu livro, publicar um artigo numa revista que não tenha submissão e avaliação anônima vale literalmente zero em termos acadêmicos; vale o mesmo do que publicar um artigo de opinião no Diário de Notícias. Pode ser interessante, mas não é trabalho acadêmico a sério. O que é espantoso é que grande parte da comunidade filosófica nacional (e o mesmo se passa nas restantes tolamente chamadas "humanidades") desconhece isto por completo, ou parece desconhecer. De todos os muitos professores de filosofia portugueses que conheço, só dois publicaram artigos em revistas com submissão anônima de artigos. Isto é escandaloso. É como termos uma imensidão de Grandes Maratonistas que nunca na vida foram aos Jogos Olímpicos. Quem pode saber se eles são realmente Grandes Maratonistas ou reis em terra de cegos?

A tradição acadêmica é, por inerência, internacional, supra-nacional, supra-fronteiras, universalista. Não faz sentido falar de física belga ou de psicologia mexicana. Faz sentido falar de física feita por belgas ou de psicologia feita por mexicanos, mas seja o que for que essas pessoas desses países fizerem, tem de ter pendor universal, tem de servir para ser discutido pela comunidade internacional. É a discussão de pontos de vista diversificados, o confronto com quem discorda de nós, a liberdade de dizer não e porquê que distinguem a investigação acadêmica do dogma religioso. E sem esta liberdade, não há verdadeira investigação acadêmica: há apenas uma má imitação. É por isso que as melhores revistas acadêmicas têm um pendor internacional. Procuram que nas suas páginas os especialistas dos quatro cantos do mundo discutam as suas ideias.

Serão todas as revistas com submissão anônima igualmente boas? Claro que não. A maior parte não é boa. É apenas razoável. Em cada disciplina acadêmica há apenas quatro ou cinco revistas excelentes. E como sabemos quais são as excelentes, as boas e as menos boas, mas apesar de tudo perfeitamente decentes? Há dois critérios. Um critério é o índice de recusas. Uma revista que recebe cem artigos num ano e publica dez é melhor do que uma que recebe cinquenta e publica igualmente dez. Outro critério é o número de artigos de uma revista que se tornam clássicos modernos, que são muito discutidos e citados em muitas outras publicações e livros. A Mind, a Analysis e o Journal of Philosophy têm uma folha de serviços impressionante a este respeito: grande parte dos artigos que qualquer estudante de filosofia pós-graduado tem de ler foram publicados nestas revistas ao longo dos últimos decênios.

Compreende-se agora por que razão perguntar por que não publica a Disputatio artigos sobre X ou Y é um disparate: a Disputatio publica os artigos que são submetidos, não «inventa» artigos, não convida os autores a publicar. Só alguns artigos foram o resultado de convites feitos a autores, a título excepcional. A esmagadora maioria foram submetidos. Se ninguém submete artigos sobre X ou Y, que podemos nós fazer?

E também se compreende por que razão é um disparate acusar a Disputatio de só publicar artigos de estrangeiros. Se os portugueses não submetem artigos, que podemos nós fazer? A maior parte das submissões que recebemos são de autores estrangeiros, e é pena que assim seja — até porque a Disputatio sempre mostrou desde o início (e está patente na sua política editorial) a vontade de publicar artigos de jovens investigadores, estudantes de mestrado e doutoramento.

Quem está descontente por não ver na Disputatio artigos sobre X ou Y ou artigos de portugueses o melhor que tem a fazer é submeter um artigo! Terá uma garantia única no nosso país: o seu artigo será avaliado pela sua qualidade intrínseca por um especialista na área, sem saber quem é o autor do artigo. O artigo não será recusado ou aceite por pertencer à universidade X ou Y, nem por ser a pessoa W ou H, mas apenas por ter qualidade ou falta dela.

Em Portugal não existem também editores acadêmicos, no sentido em que há editores acadêmicos noutros países. Um editor acadêmico funciona exatamente como uma revista acadêmica. Uma pessoa manda um manuscrito de um livro para o editor X; o editor contato com pelo menos dois especialistas — muitas vezes mais — que lêem o manuscrito e dão uma opinião, fazem correções, etc. Os editores acadêmicos estrangeiros fazem isto mesmo com livros que já concordaram publicar! Tal como no caso das revistas acadêmicas, os objetivos são evitar os erros e promover a qualidade. E o resultado está à vista: quantos livros de filosofia publicados em Portugal estão ao nível dos melhores livros publicados pelas grandes editoras acadêmicas internacionais? Infelizmente, quase nenhum. Porque em segredo e solidão ninguém é capaz de fazer bom trabalho acadêmico. Editoras como a Fundação Calouste Gulbenkian ou a Imprensa Nacional não se podem considerar acadêmicas precisamente pelo que acabei de dizer. De modo que publicar um livro português de filosofia ou qualquer outra coisa é como publicar um artigo de opinião num jornal: academicamente, não tem qualquer valor.

O trabalho acadêmico é comunitário; temos de nos corrigir uns aos outros. Se não nos corrigirmos uns aos outros quem nos corrige? O grande público que pouco ou nada sabe do assunto? Ou seremos tão tontos que pensamos que estamos acima da possibilidade do erro? Pela minha parte, passo a vida a corrigir os meus erros — erros de compreensão das ideias dos filósofos, erros nos argumentos que sustentam as minhas ideias, erros de pormenor, erros de concepção geral, etc. Sem a ajuda dos meus colegas e professores, não saberia como começar sequer a fazer filosofia decentemente. Quando faço uma conferência quero que os meus colegas e professores reajam e me corrijam. Uma ideia filosófica que nunca foi defendida em público é como uma teoria física que nunca foi testada por outros físicos, ou como uma sinfonia tão boa, tão boa, que nunca ninguém a não ser o seu próprio autor a ouviu: tolices ao nível do horóscopo da revista Maria.

Curiosamente, o mesmíssimo processo de submissão anônima de artigos ocorre nas melhores conferências. Uma conferência acadêmica não é feita de pessoas convidadas que vão lá dizer o que lhes apetece, sem qualquer controlo de qualidade. Uma conferência de investigação é como uma revista acadêmica: tem um período de submissão de artigos, que são anonimamente avaliados como no caso das revistas. Os autores dos melhores artigos são então contatados para apresentarem os seus artigos na conferência. Uma vez mais, temos um mecanismo que tem o objetivo de filtrar erros e de promover a qualidade.

Finalmente, resta chamar a atenção para o papel importante que as publicações não acadêmicas podem ter: publicações como a Crítica, a Intelectu, a Filedu ou a Trólei (que precisamente por não serem publicações acadêmicas não têm um sistema de submissões anônimas de artigos). Dar a conhecer a estudantes e professores do secundário, assim como ao público em geral, alguns elementos da nossa disciplina deve ser encarado por todos nós como um hábito normal, e não como uma esquisitice de gente maluca. Todo o intelectual tem o dever de dizer o que anda a fazer com o dinheiro de quem lhe paga uma vida de estudo.

Texto disponível em: http://criticanarede.com/ed37.html

quarta-feira, 16 de março de 2011

O POETA CASTRO ALVES E SEU RASTRO

Cintia Portugal



“Eu sou como uma garça triste,/ Que mora à beira do rio,/ As orvalhadas da noite,/ Me fazem tremer de frio.” Para expressar o desejo de liberdade, o poeta Castro Alves valeu-se das associações com os elementos da natureza, como observamos no trecho do poema “Tragédia no lar”.

Em Feira de Santana, “Sinhazinha do Sertão”, durante o mesmo período, partilhou com o poeta o sonho de liberdade, assim publica “O PROGRESSO”, em 22 de setembro de 1882 no periódico da cidade: [...] “Liberdade respiram as aves volitando ledas no espaço / Não goza ainda de liberdade o pobre cativo; miserável, subjugado ao látego do inexorável senhor” (Cortês Júnior). A imprensa procurou enfatizar o valor da liberdade mostrava que o homem sofria as dores da escravidão, e as aves por voarem alto simbolizavam os ideais libertários.

Tão ao gosto da estética romântica, o “poeta dos escravos” se expressa no canto soluçante de uma escrava, quando esta contrasta sua condição com a natureza: [...] “Me fazem tremer de frio/ Como junco da lagoa;/ feliz da araponga errante/ Que é livre, que livre voa.”.

Antonio Frederico de Castro Alves nasceu em 14 de março de 1847 na antiga cidade de Curralinho (atual Castro Alves, BA) e morreu no dia 06 de julho de 1871, aos 24 anos, em Salvador. Poeta apaixonado clamava no meio das multidões, nas ruas, no ir e vir dos passantes em total liberdade. Hoje, Castro Alves denomina uma rua, no centro de Feira de Santana, tendo início na Senador Quintino e o final na Rua Geminiano Costa.

Um dos maiores nomes do romantismo no Brasil, o poeta condoreiro viveu movido pela paixão; cantou a natureza, a mulher e à causa dos escravos. Aos 16 anos iniciou sua paixão pela atriz Portuguesa Eugênia Câmara, em 1866 escreveu o drama Gonzaga ou a Revolução de Minas, feito para Eugênia, e no ano seguinte partiram para Bahia para levá-lo à cena.

Em 1868 foram para o Rio de Janeiro e lá Castro Alves conheceu José de Alencar e Machado de Assis deixando-os impressionados com seu talento. Matriculou-se na Faculdade de Direito em São Paulo deixando o curso em 1868. Abalado pelo rompimento com a amante, entregou-se à caçada; numa delas, feriu o pé, que foi amputado. Tuberculoso, ameaçado de gangrena voltou à Bahia, onde saiu “Espumas Flutuantes “(1870) o único livro que publicou em vida foi imortalizado por obras - primas póstumas como; Os escravos, Vozes e Navio Negreiro que lhe valeram o título de “poetas dos escravos”. Dos românticos da terceira geração, o poeta baiano foi o que mais cultivou o lirismo sensual; suas musas têm uma sensualidade sinuosa e quente, uma voluptuosidade contida em sedas e rendas, em seios níveos que se insinuam por entre a generosidade dos decotes.

Em “Anjos da Meia-Noite”, o poeta baiano mistura em sua lírica a experiência e a inspiração: [...] “ Almas, que um dia no meu peito ardente / Derramaste dos sonhos a semente / Mulheres, que amei! /Anjos louros do céu! / Virgens serenas! / Madonas, Querubins ou Madalenas! / Surgi! Aparecei!”

O eco dos versos de Castro Alves persiste no tempo e no espaço, o poeta amava o infinito e a luz Foi seu último pedido antes de morrer ser levado à janela para contemplação do nascer do sol.

- Observe! A vida de uma rua é um rico poema; desde a primeira janela que se abre ao som das vassouras que dançam na calçada. - E onde estão às placas com trechos dos poemas? - Sim! Isto seria literalmente um passeio poético pela cidade de Feira.

Esse texto, modificado, foi publicado inicialmente no Jornal Folha do Norte (Feira de Santana) em 05 de novembro de 2010.

domingo, 13 de março de 2011

"Te encontro no shopping!"


Texto de Maurício d'Oliveira, publicado no jornal Folha do Norte (Feira de Santana) em 17 de dezembro de 2010.

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