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segunda-feira, 31 de maio de 2021

Trecho de "Ser Jovem", de Artur da Távola

 Olá, graduandíssim@s!

Que tal um trechinho da crônica “educar é um bem muito perigoso” para começar a semana?!
Confere aí!
E tem mais: se quiser nos enviar um trecho de um livro de que goste é só nos mandar aqui, via direct, ou por e-mail: revistagraduando@gmail.com


Bom início de semana!

Acesse nossas mídias!

    

sexta-feira, 28 de maio de 2021

Trecho de "O Alienista", de Machado de Assis

 Olá, graduandíssimos

Que tal um trechinho de “O Alienista” para terminar a semana?!
Confere aí!

E tem mais: se quiser nos enviar um trecho de um livro de que goste é só nos mandar aqui, via direct, ou por e-mail: revistagraduando@gmail.com


Bom final de semana!

Acesse nossas mídias!

    

segunda-feira, 13 de abril de 2020

SOBRE OS 10 ANOS DA GRADUANDO PARA O(A) GRADUANDO(A)... NA VIDA

Por Danilo Cerqueira Almeida*


Em 13 de abril de 2010, a revista Graduando iniciava efetivamente sua trajetória no ambiente acadêmico, completando a fase inicial de processo que se estende aos dias atuais. Na referida data, a revista era apresentada aos estudantes em uma recepção aos calouros do curso de Letras. Nos dias em que este texto é pensado e escrito, completa-se dez anos desta data, momento mais que oportuno para destacar alguns aspectos sobre minha visão do periódico.

Este texto é uma livre comemoração (ou pelo menos é o que se pretendeu antes de ser completamente escrito). É uma livre lembrança coletiva, para muitas pessoas, sobre muitos momentos, em relação a muitas atividades realizadas. É nesse sentido que é uma comemoração, ou seja, uma memória reflexiva, ou intentada, para valorizar, para o autor e para os leitores, momentos que se deseja destacar por meio da escrita. Assim, para aqueles que, há dez anos, então participaram de alguma forma daquele momento, e para os que foram sendo agregados aos tantos momentos que culminaram nas atividades atuais da revista, agradecer pode ser acrescido de mais algumas ações. Esta é uma delas.

Dedicar um tempo para escrever sobre isso permite que se reflita a respeito do que isso vem significando para a revista ao longo deste tempo de atuação. Escrever, em seus múltiplos sentidos, para esse tipo de trabalho, é viver. “Respira-se academicamente” por meio da escrita e da leitura. Basicamente, seria assim: a leitura (audição, observação, atenção...) seria a inspiração e a escrita seria a expiração... não só a escrita, mas a fala, o desenho, os gestos, os sinais... E perceber que tais ações, que ocorrem dentro e fora deste ambiente tão marcado em nossa sociedade que é a universidade, fazem parte do cotidiano de estudo e trabalho... dois aspectos da vida que devem ser identificados sem jamais serem separados no dia a dia de qualquer pessoa, independente do espaço que ocupe.

Criou-se e ocupou-se um espaço no ambiente acadêmico da graduação em Letras. Esse espaço persiste e insiste em se fazer presente na universidade há dez anos, com a contingência dos semestres, anos, pessoas, atividades e realidades internas e externas ao periódico, mas sempre conseguindo entregar aos públicos dos quais depende e aos quais atende a possibilidade de estar diante de uma criação, ou produção, ou resultado, ou herança... de sua própria existência, de seu próprio tempo, ou seja, de sua própria condição de ser acadêmico que não exclui a expressão de outras maneiras de ser. Entender isso torna-se significativo na prática das atividades da revista quando se percebe que, ao mesmo tempo em que se muda individualmente, também o tempo, as instituições, os pensamentos, as ferramentas de trabalho, as perspectivas e, enfim, o contexto no qual vivemos, mudam. Assim, por exemplo, a cada quatro anos os graduandos do curso mudam quase por completo. Nesse sentido, o que deve, para a revista, ficar; o que deve, para a revista, significar?

As opções que se fizer para a vida (pessoal, acadêmica, institucional, periódica...) terão aspectos positivos, negativos e, talvez, parcialmente perceptíveis a apenas um par de olhos: terão consequências nesses mesmos termos. Cabe aos seus agentes encontrar, individual ou coletivamente, a melhor forma de escolher quando isso é inevitável e de administrar as consequências que advêm dessas opções. Entretanto, tais ações não devem deixar de representar interna e externamente às comunicações humanas, nas tantas situações da vida, a preocupação em garantir o motivo pelo qual se afirma a própria existência do que quer que seja... No caso da revista Graduando: entre o ser o saber, ciência e paciência para afirmar e para ouvir, tão necessários em qualquer atitude científica, também devem ser necessários aquém e além dos muros da universidade, dos anos de experiência e vivência, dos limites da própria vida.


* Danilo Cerqueira Almeida é licenciado em Letras Vernáculas, especialista e mestre e estudos literários pela Universidade Estadual de Feira de Santana (BA). Atualmente, é professor da rede estadual de ensino da Bahia e faz parte do conselho editorial da revista Graduando: entre o ser e o saber.

segunda-feira, 17 de junho de 2019

9: A CULPA É NOSSA!


Por Marcelo Oliveira da Silva*


Eram 9 também, mas era quinta, ou era sexta, não sei, já era mais de nove. Era outro mês também, era outro tempo. Era paz, quando eu declarei guerra, ainda pedi socorro, fui ouvido, mas a paz era conflito. Era manso, o coração. O olhar era tenso, era canhão em estado de festa. Olhares, subliminares. Toques, escanteios. Trêmulos lábios. Saiam! Saíram, cruzaram ruas e vielas, e nas entranhas das ladeiras eram correntezas de palavras vãs autodeclaradas futuras, construtivas e visionárias. Estávamos acompanhados de versos e experiências que nos levavam a ladeiras e desejos de intensos mais. Eram 9, acabara o primeiro ato de uma história finda.

Ouvimos, ouvi juras de carinho. Não eram juras, não as ouvi, quis escutá-las, as criei. Não era amor. Era. Era amor univalente, unilateral. Era passagem de ida, não tinha retorno. Eram mudanças. Em nove horas, nove mudanças: não estar mais onde estivemos e reaprender que momentos são únicos e não serão eternizados... opa, eram 9. Pois sete faltam, mas também noves fora é nada, e nada resultou.
Passaram dias, 9 precisamente, vivemos de promessas, outro encontro, antes das 9, quebramos o protocolo, mas fizemos melhor do que antes, fizemos diferentes, havíamos aprendido, queríamos mais, mas só mais naquele instante, um queria outros mais, outro um menos. Fomos nos distanciando. Espera, já somos distantes, viemos de outros mundos. Um terceiro momento, agora sim, eram 9, minutos de prazer, protocolo quebrado, não quiseram mais que estivéssemos, não queria, quero, quer, não quer. Quero! Não quero! Não queres, não tens!

Pedimos encontros, negados, nove no total, rompemos elos e elos não foram restabelecidos, talvez não serão, ou são. Fora um sonho, nove no total. Mas não foi culpa minha, eu apenas disse que queria e você não ouviu. Ouviu. A culpa é nossa, você dissera primeiro e eu não ouvi. Ouvi. Ei, eu falei primeiro, você que não ouviu. Ouviu. A culpa é nossa, falamos mansos, não fomos ousados. Fomos. Fui, vc não! Sim, a culpa é minha, fui intenso, você foi muito e depois menos, eu fui mais, quis mais, sou mais. Mas fui menos, menos que pude ser, menos que pude esconder, não escondi. Está aí minha culpa, nove vezes ter dito o que quis, está aí minha culpa, ser verdadeiro, honesto comigo, logo, com você. Você, aquele espelho do primeiro encontro após as nove, nove vezes te encarei e tentei não tocar teus lábios, tocamos. Está aí nosso erro, nossa culpa. Sim, nossa! Fomos nós. Agora são 9, já é domingo, não tem festa. Não subiremos ladeira alguma, não há palavras, não há olhares, não há lábios nem promessas não ditas. Cumpra-se. São 9, chegamos aqui. A culpa é minha, cheguei. A culpa é sua, não veio. A culpa é nossa, não fomos. São 9, nove somos. Noves fora, nada.


* Marcelo Oliveira da Silva é Licenciado em Letras Vernáculas pela UEFS.

segunda-feira, 3 de dezembro de 2018

SEPTIMUS

Por Rammon Freitas*


“Septimus, please come back! Septimus, please!” Septimus was running while his mother yelled at him so he swayed on the spot and stood there for a while, he wanted to take a last look at the farm, the pond and his mother who at that moment looked desperate. He ran towards the hill, whence he would head north after swimming across the river. On him, he just had a backpack with some money he saved, a book, some clothes, bread, biscuits, water and his cellphone just in case. There was no chance that his father would keep up with him, once on the other side of the river, he could not imagine a limit, and his legs would guide him. His journey started more like a sauntering practice. Septimus used to saunter a great deal; it was his favorite activity to fill the time. Walking helped him think, he would put his whole life into perspective, and now, more than ever, it felt as though it was the most appropriate thing to do.

Septimus cast his mind around and it landed on the reason why he was fleeing. He could not turn off the memory of his mother asking him: “You didn’t do it, did you? You’re not lying to me, eh?” He could see her face while recollecting that moment, he could feel her angst, her hate. She looked exceedingly angry and disappointed; Septimus had never seen his mother like that before. Inly, though, Septimus could not feel more at fault, he knew he could not help lying to her. What else would he do? He loved her, but fear was a feeling that he could not shun, she was his mother, someone he loved the most in the whole world, someone he innately cared for and worried about, he did not want to make her that disappointed. That severe look, though, was scaring his soul out of him, that look on her face whilst inquiring whether he was in the wrong or not made him feel so ashamed. Septimus was conscious of what he had done, and he did not feel it was wrong whatsoever. He stopped for a brief moment, sipped his water, looked around and decided randomly what direction to head and kept on. 

A sennight had passed, he was still on the run. On the third day, he felt like turning his phone on, he was in the woods, not lost for the record, and his phone happened to have service. It was bombarded with messages from home, suddenly it was ringing, his mother was calling him. He took the call. His mother implored, sobbing, him to come back home. She told him he would suffer no reprisal from his father, he would be alright, and the whole family would be fine again. Septimus felt sorry for her, it must be painful to lose a son like this. Howbeit, he could not go back, he feared everyone back at home, even his siblings. They would never understand it, the Bible had educated them all well, and thus heading back home was a no go. He was unwilling to face the consequences of his returning. What would everyone think of him? Frequently lost in his musings, Septimus indeed considered the idea of changing; of starting off of a new page; of converting himself to whatever they believed would be the right and apt. 

After two weeks sleeping in the woods, feeding on fruits and drinking fresh water from ponds, he really thought of going to the biggest city near him. He did not know what he would do there, he was young after all, in the middle of high school, an underage, what was he able to do? He just knew for sure that he did not want and could not be found by his family, despite the thick bond that made him connect to them; he had to let it go. So he started to think of illegal and somewhat absurd ways of making a living. He forced away these weird thoughts ever and anon, they made the hair of his arms on end, what was he thinking? In limbo, he struggled on, meandering managing to find answers, trying to figure out what to do next.            

Thinking about the reason why he was fleeing was something that he himself dodged, or at least he made his mind dodge. To his eye it was not a crime, it was not wrong, it was not a sin. It was just who he was, in the deepest part of his spirit and flesh. He wondered how something so natural could be seen as something so despicable and worthy of hate and disgust. He just could not conceive it. He also happened to find out how his parents, and consequently, his siblings found out about it, although it did not matter back then. He wanted them to accept it, live with it, or maybe suck it, whatever felt easier for them. 

Three weeks running away and he finally reached the road that could take him to one of the biggest cities in the state. He stopped here and there pondering whether or not it was wise to go towards the main road. Once there he had second thoughts, however. Hitchhiking was his only solution, but what if he ran into a crazy driver who will come up with indecent proposals, the last thing he desired now was to be propositioned by a lunatic. There was this characteristic of his that consistently made him who he was: he was someone determined and a tad stubborn, if he made his mind on something, nobody else could change it, but himself. Going back home was utterly out of his possibilities. The thought of that action brought him a mix of angst, pain, shame, pity. He started to feel what he believed his family felt for him: he despised himself. 

The weather was sunbaking hot; lorries, cars, vans going to and fro as he stared at the road, as far as his sight could reach, until being able to see those waves apparently ablaze with that vapor on the asphalt, that vapor made out of pure warmth. Those waves trembled during the entire day on those exceedingly hot days of summer. And when the night eventually fell, it would make the nighttime’s calmness and darkness balanced with both the heat of the day that hit the tarred path, and the coolness of the night, coming from above. Septimus also thought of the dew on the next morning, and how he loved to see the breaking of dawn. Had he seen the dew and the sunrise, he would have felt that there was still hope, notwithstanding his determination made him set his heart and mind on another idea, a lorry was getting nearer and nearer, it was infeasible for it to break, so Septimus made to cross the road.

Finis


* Rammon Freitas é graduando em Letras com Inglês pela UEFS.

segunda-feira, 19 de novembro de 2018

XVI SEMANA DE LETRAS - 50 ANOS DO CURSO E... "FORMANDO" DOUTORES

Fonte: Facebook

Fonte: Facebook


Por Danilo Cerqueira*



É. Chegamos aos 50 anos. Ele, nós, vós, eles, elas, você... e, por que não, eu também... É claro que não estou me referindo ao(à) leitor(a) do blog, mas sim a todos e todas que tiveram contato com @s graduand@s (e graduad@s) do curso de Letras da Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS). Tod@s @s que se comunicaram, ou mesmo @s que apenas pensaram sobre quem viam, supondo sobre como deveria ser aquele(a) que cursa Letras na UEFS, foram tocad@s pelo curso que proporciona, se não todo, parte considerabilíssima do conhecimento sobre língua em nosso país - e aí não mais considero apenas este curso da universidade feirense... e baiana, mas todo o conhecimento que este curso engloba nas instituições de ensino superior do país.

Foi uma semana de muitas letras. O curso de Letras vivenciou mais uma semana de várias expressões humanas em um evento anual, a Semana de Letras, organizada pelo Diretório Acadêmico de Letras José Jerônimo de Morais. Os cinco dias de reunião entre ouvintes, apresentadores, comissão organizadora e colaboradores em torno desses conhecimentos tão diversos quanto completos (e não menos complexos) proporcionaram ao ambiente acadêmico da UEFS a celebração de sua área mais antiga, com participação desde a fundação do espaço anterior à própria UEFS, onde hoje é o Centro Universitário de Cultura e Artes (CUCA). Portanto, a formação de profissionais e pessoas pela instituição remonta a espaços que muitos que frequentam essa universidade nunca visitaram, mesmo vivendo na mesma cidade e, em parte, incentivados a participar dos demais espaços ligados à UEFS.

Voltando ao curso de Letras, a semana foi dedicada a minicursos, espaços de discussão, comunicações, intervenções artísticas (teatro, música, performances), rodas de conversa, saraus... todos, momentos em que trocamos e plantamos e colhemos e regamos e compreendemos e aprendemos e admiramos e calamos e incompreendemos e subentendemos... palavras! A Semana de Letras sempre expõe e impõe a natureza do graduando, a presente maioria: quem faz, quem comemora lindamente e extasiadamente as muidezas dos primeiros ou importantes trabalhos num espaço "novo", numa condição nova, num momento de "empoderamento" em relação ao curso e à história da instituição, seja como ouvinte ou monitor, seja como colaborador, seja como ministrante de oficina, minicurso, debatedor, palestrante, conferencista... etc.!

Junto com as bodas de ouro... vieram doutorados!!! A UEFS concedeu o título de Doutor Honoris Causa ao escritor Antônio Torres durante o evento. Algo raramente feito pela universidade, coube-lhe outorgar o título a um escritor durante uma semana de Letras... Simbólico! Outros motivos para comemorar é que as pós-graduações de Linguística e de Literatura ligadas ao curso em breve estarão com doutorandos... Ano que vem, teremos os doutorandos em Linguística; em breve, os da área de  Literatura. A área de Letras, com seus cursos, que começaram com uma graduação em modalidade específica, chega hoje a integrar 4 cursos, especializações, mestrados, um doutorado implantado e inúmeras atividades ligadas ao Departamento de Letras e Artes, ao qual também se integra o curso de Música e a área de Artes, com cursos e a pós-graduação em Desenho, Cultura e Interatividade. O curso de Letras faz, de suas expressões em palavras, a ciência que reconhece as inúmeras expressões que o podem tornar mais humano, mais integrado à realidade das coisas e das pessoas, de suas ânsias de vida e do seu cotidiano de existência e resistência, sem que se dissocie a parte disso da própria instituição.

É... Ainda que não percebamos, os movimentos deslocam... o ar... e, assim, movimentar espaços que, muitas vezes, não podemos perceber senão por suas consequências. Que a contingência dos dias e das ponderações sobre a responsabilidade de cada um(a) d@s  graduand@s em Letras, nos rumos da (própria) história (do curso) fique cada vez mais evidente quando nós, mais vivenciados no verso e anverso de nosso cotidiano na UEFS, e também fora dela, estivermos o mais oportunamente possível na condição dialógica em relação aos(às) outr@s e tant@s graduand@s da vida...


Arte: Danilo Cerqueira



* Danilo Cerqueira é licenciado em Letras Vernáculas pela UEFS, com especialização e mestrado em Estudos Literários pela mesma instituição. Atualmente, é professor da rede estadual de ensino e membro do conselho editorial da revista Graduando: entre o ser e o saber.

segunda-feira, 30 de abril de 2018

QUANDO NÃO HÁ CORRENTE

Por Danilo Cerqueira*


Quando não há corrente, não há elos, não há passagem, não há articulação, não há movimento. Não há perspectiva, não há horizonte, não há sucessividade, não há "o que vier", não há-ve-rá.
Quando não há corrente, não há objetivos comuns, não há o ser do futuro porque não há o par, mero conjunto, no presente. Quando não há corrente, os olhares são perdidos, pois se esquece que se pode aprender com outro humano, modo de subentendermos que há entre e em nós, humanidade. Quando não há corrente, não há passagem de bastão, não se consegue nada que vale a pena ser lembrado pelo resto da vida, pois do que vale uma vitória conseguida única e exclusivamente sozinho? Se for possível identificar tal espécie de vitória, é preciso expô-la para que seja posta à prova da participação de mais um qualquer que seja nessa conquista. A possibilidade existe como pensamento, mas duvido que exista como realidade.

Quando não há corrente, não há bicicleta, o veículo de duas(!) rodas... E se não tiver correntes?... É... a questão não é a corrente... É seu conjunto que no outro podem ser... dentes! É na conversa que estão, assim, dois (ainda que em apenas um) na conversa... Jogos de poder? Sim!... Necessidade de afirmação? Sim... Ânsia por submeter o outro ao que você pensa e defende por meio de suas palavras? Sim!... Receio de que o outro ou a outra desprestigie suas hesitações, medos e demais fraquezas e, digamos, defeitos? Sim!... Mas são medos inerentes a qualquer comunicação entre pessoas. Sem agrupamentos em torno de assuntos, convicções, ideias, projetos, ações, características, semelhanças, diferenças, objetivos, acasos e tantas maneiras de comungar olhares e palavras, sons e atenções, não se pode consubstanciar o alicerce coletivo humano que fundamenta as atividades mais exitosas e reconhecidas entre quaisquer grupos humanos, somente concebidas por um senso conglomerador de notável percepção e sensibilidade social - ou grupal, ou conjugal, ou amical, ou sentimental, ou familiar, ou política, ou representativa, ou idealizadora (ideária)...

Quando não há corrente, não se passa pra frente... Não se vai para a frente, não se pode sair daquela inércia que conforta, mas deforma; que exalta, mas angustia; que promove, e que esvazia; que assegura, mas inquieta... Conviver com essas experiências eventualmente pode ser compreensível, mas a manifestação intensamente periódica desses estados no cotidiano de nossas atividades é desestruturante de nossa condição humana. Creio que tendemos a ser alternos mesmo, no sentido de que estamos entre racional e irracional, e daí com suas potencialidades incompletas nos campos de pensamentos e do que também não pode ou ainda não foi pensado; do que pode e do que não pode ser pensado por quem quer que seja.

Quando não há corrente, se escreve assim. Quando não há corrente, se lê assim... sozinho, escondido, amedrontado... Quanto tempo levou entre este texto surgir à sua frente e você se submeter a lê-lo? Será que vai comentar sobre ele com alguma pessoa? E aí, vai passar essa corrente? O que será qualquer organizado de sons e palavras senão uma outra forma de corrente, sem retorno, esperando sempre que a movimentemos para a frente... em conjunto, com os nossos dentes, saliva, energia e... o que vier depois do dia?


* Danilo Cerqueira possui graduação e pós-graduação pela Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS). Atualmente, é professor da rede pública de educação do Estado da Bahia na cidade de Feira de Santana.

segunda-feira, 26 de março de 2018

THE PROPOSAL

Por Rammon Freitas*


It was a Tuesday afternoon when Fernando arrived in his hometown from overseas. His new house was more like a mansion, near the Presidente Dutra Avenue, an upscale neighborhood in Feira de Santana. He had gone abroad for a while, got his doctorate degree there and had made tons of money as the result of a lot of hard work. Now he was back in town. At first, he bought everything he thought he should, the mansion, a farm, two cars and a summerhouse in Madre de Deus to enjoy balmy days by the beach, and escaping from everyone and everything whenever he felt like. Howsoever, all of those things did not make him wake up with a certain gaiety in the morning; that, by the way, was a habit he never changed; he had always woken up early in the morning. First week in Feira and he could acquaint himself with the cool slang terms of the moment, he could catch up with his old friends and could have a nice time with his family that would treat him as a kingat that moment, but never was able to overcome his sexuality. At present, their speech was different, his cousins, aunts, uncles, sisters, brother would come up to him and say, “Youwon’t marry, right? Marriage brings lots of problems.”

His mother once had the audacity to say, “You don’t need a woman, my son, you already have everything you’ve ever wanted. You just need to donate a certain amount to church every month, and show up there whenever you feel like; you know that everybody there loves and looks up to you, eh?” Fernando knew very well what they used to love: money. So now, they would love him, because he possessed plenty of it. He started to think that money couldn’t buy everything, indeed. None of the stuff he had gotten was able to fill the void inside of him. After a while, he perceived the paradox: he was more alone than never, except for Sarah, his old friend that would check in with him every day. Deep down he knew what he was missing, and that was Diego. Fernando had heard that he was a Literature teacher in town, a good one, and was currently single. Fernando remembered when they split up for the last time before he left Brazil, Diego had said he wasn’t one for relationships, though casual or random relationships (whatever that might be) was more like his kind of thing.

The new life and routine was not hard to get used to. He just minded the weather, it was uncommonly hot in Feira de Santana and he just wished he could understand why. Some time went by in this new phase of his life and he continued to wake up chagrined early in the morning, there were days he wished he hadn’t woken up at all. So one of those days, when he woke up vexed, feeling an emotional mess inside, he decided to get ahold of Diego, he got his e-mail address from Sarah, since Diego had changed his phone number and e-mail address and he did not have any kind of social media anymore (he had become someone anti-social, come to that), it was hard to be in touch with him. Fernando then wrote a very explanatory e-mail, putting his heart out, telling him, amongst other things, that he was back in Feira and wished to see him immensely, he indeed had written the word immensely, and after sending the e-mail, he thought that that was a really bad word choice. The reply came within a few minutes; Fernando knew that Diego was still an e-mail person; he was the one who would know Diego better than anyone else would.

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They finally got the chance to meet up, it took place at Diego’s favorite restaurant, Los Pampas, and they conversed about life and the relationships they had during the last few years they were apart. Diego really seemed eager in seeing him, and it was mutual, because Fernando could not stop staring at him. After dinner, Fernando invited Diego to visit his place; it was near the restaurant anyway, it wouldn’t take too long. Diego said he had to work early next morning and that reminded Fernando of the proposal he wanted to make. Then, he let him know that there was a proposal coming up; however, he would tell him on one condition, provided he went to visit his place. Diego was curious and agreed, so they left the restaurant after splitting up the bill.

Once there, Fernando showed him all around, including his bedroom, which was aspecial place, and demanded a special occasion. Whilst showing Diego his bedroom, Fernando brought up the proposal again. Diego was all ears eyeing him warily; he went there on that account after all. Fernando told him that he wanted to buy him. “You’re gonna sell me your diploma, your job, your body, your soul, your mind, and your life. Putting it differently, you’re gonna be mine.” It seemed to have astounded Diego, and deep within he knew that what Fernando had said was true, he did not know why, but he knew it was true. Fernando was trembling, and could not disguise it, he’d realized that Diego was analyzing him, and inly he wished he could read his mind. Fernando thought that Diego might have found the whole thing a colossal craziness, completely mental.“I know that you’re not playing around with me, but honestly, I need some time to think about it, even though it sounds utterly mental to me.” After saying that, Diego left Fernando’s house and the latter felt as though a gargantuan wave had hit him, and now he was trying to get oriented again.

A week went by, no e-mail, no phone call, Fernando was waiting anxiously. After the second week he could not control his urges well respecting the response. He knew since the beginning, when the idea popped up in his mind, that it would be a tough call for Diego. Fernando would also think that that was the worst proposal he could ever come up with, it was indeed mental he would concord. The intention of the proposal was to possess Diego, as one of the other things he bought when he came back to Feira. Diego would not work anymore, would not visit his family, unless Fernando allowed him to do so, he would, in other words, belong to Fernando and live off his expanses. The time Fernando lived overseas brought him someone to love, a relationship that would have an expiry date he used to believe. Howbeit, he never truly loved this one man, it was positive and intense while it was transpiring, and Fernando believed that Diego was the one to whom his heart belonged. Fernando would also spend a long time awake during the night (when he wouldn’t sleep fitfully) thinking about how Diego was used to seeing the world. Fernando thought of how ephemeral things were; relationships in which people hook up with everybody and don’t get to know anyone for real. It was all about carnality, and that was the problem with the gay community Fernando would think: people treat each other like a piece of meat, it doesn’t apply to every situation, he’d admit, but still.Furthermore, Fernando was conscious that Diego was the one on that side of the game. Thusly, lost in his night’s musings, Fernando was aware that sex for sex was what Diego believed he was linked to. Having a nonstop sexual life with a bunch of different partners was what Diego used to do in the past after breaking up with Fernando.As to the dumpee, Fernando, he was determined and he would not give up on the Literature teacher.

A month and a half later Diego’s e-mail finally hit Fernando’s inbox. It read:


Dear Fernando, 

I hope this e-mail finds you well. I’m emailing you concerning your proposal. I’ll be blunt: I cannot be in this kind of relationship, because my love is not up for negotiation. What we lived was beautiful, it resulted in a great set of fond memories that I every so often go back to. I deeply wanted and tried to change myself, to be a monogamist, I wish I could change, although it is infeasible. I hope that that proposal of yours was your last attempt to have me.

Adieu, 

Diego.



Inwardly, Fernando thought that some things were not meant to be, and off he went.

Finis


* Rammon Freitas é graduando em Letras com Inglês pela UEFS.

terça-feira, 7 de novembro de 2017

ESCRITOS DE UMA PSICÓLOGA

Por Manuele Souza Costa*


Ainda sento no mesmo lugar onde sentávamos para falar sobre poesia, para sorrir lembrando aspectos da vida. Onde eu admirava seu sorriso enquanto você falava da beleza dos textos e inteligência dos escritores como algo mágico, com entusiasmo. Onde sugerimos um ao outro várias leituras, as quais faríamos o mais rápido possível só pra ter assunto para o próximo encontro e quando sentávamos para discutir esses e outros assuntos não víamos a hora passar, tão rapidamente entardecia, e parar ali era algo meio forçado para a gente. Poderíamos até demorar um pouco para se encontrar, mas quando acontecia era intenso, como sempre. A nossa amizade era assim, intensa, verdadeira, atenciosa. Era tão bom repartir pensamentos, concordar, discutir sobre cada tema.

Estou aqui. Já li todos os contos e ouvi todas as músicas recomendadas por você, só para ter assunto para a próxima conversa, que já há algum tempo não acontece mais. O amor também afasta, distancia as pessoas, mesmo estando tão juntas, próximas. Esta é a ideia que tenho desde que os corpos estão sempre perto, mas a alma, o essencial está distante, querendo fugir. Talvez porque o amor antes existente não era notado e agora sim, no entanto não é aceito, o que causa mudança, o afastamento.

Preferia que tudo voltasse a ser como era antes. Para mim, o ápice do amor estava ali, entre os dois, sentido e vivido por ambos, quando faziam um ao outro sorrir com entusiasmo, beleza e queriam sempre estar ali, perto um do outro. Para mim, isso representa o amor, essa vontade de sempre estar junto, e o ápice desse sentimento não é como muitos pensam, que são beijos e abraços, mas são sorrisos, admirações, confidências, confiança, vontade de sempre estar.

Hoje, não sento mais naquele lugar e o sinto cada vez mais longe, mesmo estando ao meu lado. O olhar parece querer correr, está sempre fugindo, demonstra medo. O sorriso já não é tão verdadeiro, mas continua belo. Às vezes nem me encara. Será mesmo que não aceita o sentimento ou isso tudo é medo? Parece tremer quando está ao meu lado. Decidi assumir minha impotência, não posso forçá- lo a sentir. Vou seguir me afastando.

Num domingo à tarde, sentada na poltrona da sala sozinha, sem ninguém nem seus pais, com todas as janelas fechadas, sem chorar nem sorrir ela diz: “Ali, aquela situação é o ápice do amor, é o momento que ela o sente mais forte, pois pensa, o deseja e escreve.”


Relato da última cliente, dia 27 de maio de 2017, às 17:00 horas. Segunda seção com a psicóloga Elisa Nascimento.


* Manuele Souza Costa cursa Especialização em Estudos Literários na Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS).

segunda-feira, 16 de outubro de 2017

O SONHO

Por Amanda de Almeida Santana*


Na cidade do Rio de Janeiro, habitava uma moça muito linda que chamava a atenção de todos por onde passava, seu nome era Larissa.

Larissa sempre andava só, pois era uma moça independente. Um dia o seu jeito de viver encantou a um rapaz que se chamava Caio.

A moça não sabia, mas ela sempre habitava os sonhos de Caio, sonhos que eram de tê-la ao seu lado para sempre, mas o rapaz tinha medo de falar para ela que estava apaixonado.

O rapaz levava uma vida humilde, mas era muito sonhador. Sonhava em ter um bom emprego, uma boa casa e viver ao lado de sua amada.

Um dia quando Larissa voltava de uma festa, Caio a abordou e pediu para acompanhá-la até sua casa. Durante o caminho, numa conversa envolvente, o rapaz declarou-se para ela com um belo poema, mas ela não disse nada. Enfim, ele foi beijá-la. Quando ele se aproximou, de repente, num sobressalto, ele despertou de mais um belo sonho de amor.


* Amanda de Almeida Santana é estudante de Letras Vernáculas do 4º semestre, UEFS.

sexta-feira, 7 de abril de 2017

PRAÇA REVISITADA

Por Rammon Freitas*


9h10min marcava o relógio do celular, fizera dez minutos que Diego esperava por Fernando. Ele supostamente estava a caminho, ele não costumava se atrasar. Diego estava perdido em seus pensamentos e em suas recém-nascidas certezas, havia algum tempo que os dois se conheciam e ali na Praça do Lambe-lambe, também conhecida como a Praça Bernardino Bahia, ele se perdia nas suas observações de quem passava. Diego adorava praças por causa da diversidade, da liberdade e do aconchego que em muitas delas residiam. Ele já havia esperado outras pessoas ali, marcado outros encontros ali e também assistido às pessoas que passavam por ali. Essas ações se repetiram diversas vezes. Aquele era o ambiente de trabalho de várias pessoas, cabines de fotos 3x4 rodeavam as bordas da praça, mulheres, crianças, senhoras e senhores, todos pareciam estar apenas de passagem, uns aparentavam ter objetivos, horários a cumprir, outros pareciam estar apenas passeando. Um rapaz abraçava o outro em direção oposta à que Diego se localizava, ele notou como os seus corpos conversavam nesse curto espaço de tempo em que os dois se cumprimentavam, pareciam ser amigos, até o microssegundo que suas mãos se encontravam e se apertavam de leve no instante em que seus corpos se separavam.

Esses amigos seguiram adiante como todas as pessoas que vêm e vão à praça. Diego esperava e pensava que Fernando poderia ter dormido demais, talvez estivesse preso no trânsito, talvez tivesse esquecido o compromisso, mas algo o confortou ao mesmo tempo em que conjecturava sobre onde estaria Fernando, e isso era a certeza de que ele estava em um lugar muito melhor agora, psicologicamente falando. Seus sentimentos estavam claros, suas crenças estavam renovadas, e uma esperança tão grande como a imensidão da aurora o preenchia. Agora Diego viajava em pensamentos que se iniciaram a partir da observação de uma criança brincando com outra, ele nunca entendera o porquê as crianças maiores mudam a voz quando falam com crianças menores que elas, às vezes da mesma forma que os adultos falam com elas, infantilizando a voz, balbuciando coisas sem sentindo. E cada vez mais claro ficava o fato de que ele cria que não nos comunicamos apenas através de uma língua.

No fundo da praça uma voz bradava, era um pastor que começava a pregação em plena praça às 9h20min agora. Diego se lembrara de sua relação com uma colega de trabalho que era evangélica e afirmava que ele tinha a pomba-gira no corpo. “Qual o malefício de ter a pomba-gira no corpo?”, ele a perguntou um dia. “O malefício é que ela te controla e faz coisas que não é de sua natureza como homem fazer,” ela respondera determinadamente. Diego sempre achou toda essa “maluquice,” como ele costumeiramente denominava esses comportamentos, uma completa perda de tempo. “Deixe-me ser quem eu sou!”, ele exclamara certa vez. Essa colega de trabalho conseguiu tirá-lo do sério quando ela o convidou para ir à igreja e se livrar do demônio que nele habitava, Diego apenas não suportava mais e exigiu que ela não o dirigisse mais a palavra, a não ser que fosse algo restritamente profissional.

9h25min marcava o celular e Fernando nem sinal de vida. Diego começou a acreditar que Fernando se esquecera, mas o que ele podia fazer? Diego automaticamente sabia que teria que comprar fones de ouvido novos, depois ele iria à livraria e por fim ele iria voltar para casa. Nesse exato momento passava um casal heterossexual na praça, o rapaz era negro, forte, musculoso, com um caminhado solto. A moça era negra, usava longas tranças no cabelo e um minishort que valorizava seu corpo, se pendia sobre ele segurando sua mão. Eles andavam destemidos, como o casal mais feliz do planeta. Isso fez Diego pensar em como sua realidade não era a mesma, andar segurando na mão de quem ele queria segurar não era até então uma coisa vista como normal ou ética e descente por algumas pessoas. Ele apenas desejava muitíssimo que os mesmos afetos testemunhados todos os dias por casais heterossexuais também fossem disponíveis para ele, sem implicar em receber um olhar de reprovação por um estranho na rua. Ele pensava em como isso tudo era injusto, em como a tradicional família brasileira o deixava frustrado às vezes.

Dez minutos se passaram em meio a esses pensamentos e Diego se perdera em vários devaneios, o dia começava a esquentar no sol de fevereiro, Feira de Santana estava incomumente quente, mas uma brisa pairava no ar por causa das gigantescas árvores que por ali sombreavam partes da praça, o fluxo de pessoas ficava mais intenso, a feirinha que funcionava ao lado da praça começava a ficar mais barulhenta, e os pombos que por ali catavam migalhas faziam grande estardalhaço quando voavam em grupo. Diego começou a se agoniar, ele decidira esperar até as dez em ponto. Com toda a sua falta de paciência em esperar ele se deu conta que Fernando era a única pessoa que ele esperava sem reclamar, e perdoava o atraso instantaneamente, assim que os seus olhos encontrassem os olhos dele. Ele resolveu que teria tempo hábil para ir às barracas do camelô comprar os fones de ouvido, afinal ele não achara os fones originais na internet, tampouco nas lojas especializadas da cidade. Assim ele o fez, comprou os fones na barraca mais próxima dali, mantendo sempre os olhos na praça caso Fernando aparecesse. Ele voltou para o mesmo lugar onde estava sentando, de repente ele avistara um rapaz que parecia familiar, era um estudante da Universidade Estadual de Feira de Santana, onde Diego também estudava. Era estranho ver rostos familiares em ambientes diferentes, esse rapaz era só um conhecido, desses que vemos quase todos os dias, pois frequentamos o mesmo espaço, porém eles não eram amigos, Diego nem sabia o seu nome.

Faltavam cinco minutos para as dez, Diego estava se preparando para deixar uma de suas praças favoritas de Feira de Santana, a livraria o custaria uma boa caminhada, o calor também já o incomodava muito, estava fatigado por estar ali. Depois de traçar o roteiro mentalmente do caminho mais curto para a livraria ele se levantou, olhou mais uma vez para toda a praça, pelo menos para os lugares da praça que sua vista alcançava, quando de repente pensava que fazia um tempo que ele havia visitado a praça pela última vez. Observar pessoas era um de seus passatempos favoritos, rodoviárias e praças eram seus lugares de maior preferência para tal ação, ele adorava olhar para as pessoas e tentar imaginar a história de vida e a personalidade daquela ou daquele ser. Ele olhara pela última vez para a feirinha que fazia companhia à praça, para a avenida logo à frente que nesse horário da manhã já estava bastante agitada, e fez movimento para sair dali decidido em seguir em frente com o que havia planejado para o seu dia, quando uma voz exclamou, “Diego!”


* Rammon Freitas é Graduando em Letras com Inglês pela UEFS, atualmente sexto semestre.

sábado, 11 de março de 2017

COISAS DE MIM...

Por Edilene Barboza*


Sabe... Acabei de descobrir que... Faz dez anos que eu moro em um bairro onde vivi uma história de amor deslumbrante com o meu marido!... Sair! Voltei! Sair! Voltei! Sair! Voltei! Foram muitas vezes que tentei ir embora deste lugar... Mas ainda não era a hora exata!... Então resolvi ficar. Mesmo o amaldiçoando, ele me aceitava de volta!... Alguma coisa ele queria de mim... Ou me mostrar... Me revelar... Sei lá!... Então resolvi ficar... Dar mais um tempinho por aqui... E fiquei... Voltei... Me separei!... Me divorciei!... E fiquei! Logo reencontrei um amigo... E fizemos uma louca viagem juntos... Aqui mesmo! Meu Deus! Que viagem!... Porém, sentia que ainda havia algo para acontecer, pois desde criança, tive a intuição de que moraria neste bairro... Foi aí que algo muito intenso aconteceu! Era isso! Será? Meu Pai! Não! De novo não!... Deve ter sido para isso que, depois de ter passado por experiências um tanto fantásticas, sofrido um bocado, aprendido a ser forte, envelhecido, finalmente ele resolveu aparecer... E, em uma bela tarde, morando sozinha, voltando para casa e bastante cansada... Na esquina da rua, Ele! Ele resolve aparecer! E me revelar o que esse lugar tinha guardado de melhor para mim!... O Meu Amor Maior! Agora sim! Posso ir embora daqui...


*Edilene Barboza é graduanda em Letras com Francês da Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS).

terça-feira, 8 de novembro de 2016

MAPA ASTRAL

Por Kananda Sodré*


Legal! Eu sei, ou talvez todos saibam, que algo só nos afeta quando acreditamos na existência, no poder ou o que quer que seja deste algo. E é por isso que hoje pela manhã acordei com essa dúvida: a influência dos signos sobre as características dos indivíduos é algo real?

Como escorpiana, ao que eu sei - ressaltando que eu sei muito pouco - eu deveria ser rancorosa e vingativa, ninguém menciona nada sobre, deixando-me confusa. Bem, se levarmos em conta que a visão do outro sobre nós, nem sempre corresponde a nossa visão sobre nós mesmos, talvez existam pessoas que me considerem rancorosa e vingativa. Mas, acho que a confusão é nítida para ambos os lados: o meu e o outro.

Bom, acho que nós, os escorpianos, também somos bastante intensos e, por experiência própria, posso afirmar que não gostamos de ser controlados, aprisionados ou forçados. Talvez essa seja a razão de toda a minha confusão, já que a vida é inevitável e definitivamente é feita de escolhas. É quase uma obrigação ter de escolher e eu não gosto de obrigações, mas nada tenho contra as escolhas.

Ao contrário, é bom saber que tenho a liberdade de escolha, embora nem sempre saibamos o que fazer com a nossa liberdade. O grande problema é que eu não tenho o mais importante ante a uma escolha: a decisão. Pois, como já dizia Cora Carolina "[...] Cabe a mim a decisão entre ir ou ficar, rir ou chorar..." E qual seria o signo da Cora?

Bem, acho que mesmo com a influência dos signos a confusão que corrobora em cada um é o inevitável medo do desconhecido, no fim temos de escolher, temos de decidir. E mesmo com meu mapa astral todo pronto, guiada pelas luas, pelas cores, pelos números... No final, será sempre a minha decisão de segui-lo (ou não) que determinará a frequência de sorrisos e lágrimas do meu dia. Até porque o futuro e o próximo segundo a Deus pertencem e como diria Clarice Lispector: "[...] É tudo tão incerto".


* Kananda Sodré cursa Letras na UEFS.

segunda-feira, 11 de julho de 2016

PRISÃO E LIBERDADE

Por Josenilce Barreto*


Era 08 de junho. Dia ensolarado num lugar em que ela nunca havia estado. Era um dia comum do calendário, sem nada especial a ser lembrado ou comemorado, mas jamais seria esquecido por ela.

Estava em Paris, caminhando pela cidade: Torre Eiffel, Musée d'Orsay, Museu do Louvre, Catedral de Notre-Dame, Jardim de Luxemburgo, Basílica de Sacré-Coeur .... e por fim a Pont des Arts. Nesta, ela vê um muro de cadeados presos por correntes ou seria a separação entre o antes e o depois dos casais apaixonados que passaram por ali? Na verdade, apenas mais um lugar para se conhecer...

Aproximou-se. Viu muita gente exalando AMOR. Sim, o amor tem perfume e ainda mais em Paris, ora!

Não resistiu. Atreveu-se e tocou em um dos cadeados (já que não levara o seu próprio!). No toque, sentiu... Era como se a história daquele cadeado também fosse a sua e, como tal, soube que o amor ali estava acorrentado.
 – Mas como podem prender o amor? – pensou em voz alta – Se dizem que ele deve ser livre?

Durante os 30 segundos em que tocou o cadeado, soube de uma coisa: não permitiria que o SEU AMOR fosse preso, acorrentado, esmagado em um cadeado. Nisto, sentiu que precisava sair logo dali antes que o prendessem, sem chance de fiança.

Correu, correu, correu... cansou, parou, olhou... Eufórica, se assustou, se levantou da cama, foi ao banheiro, lavou o rosto, olhou-se no espelho e decidiu-se:
- AMOR é LIBERDADE! E como tal não permitirei que os tirem de mim!
Então foi em direção à janela. Abriu-a. A brisa entrou. A liberdade e a razão também. E todas juntas decidiram que o amor só entraria novamente se não acorrentasse o ser e a liberdade.

Era 08 de junho, dia em que a ponte desabou e os cadeados foram quebrados...


* Josenilce Barreto é graduada em Letras Vernáculas e mestra em Estudos Linguísticos pela Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS), além de lecionar na mesma instituição. Também integra o conselho editorial da Graduando.

segunda-feira, 20 de junho de 2016

SENTIDOS

Por Josenilce Barreto*


Via flashes! Via fotografias! Via sonhos! Via utopias! Quanta opacidade nessa miragem!

Olha. Não vê! Toca. Não sente! Cheira. Qual cheiro? Bebe. Não sente o gosto! Ouve. Não sabe quem!

Quantas ilusões! Como podem os seus sentidos lhe traírem assim?

Olha no espelho e não se reconhece: Quem é este ser pálido, enrugado, desorientado e preso no reflexo diante de si? O que fizeram com ela? Simples, arrancaram-lhe a vida! E sem esta, que sentido há em estar ali?

Grita. Ninguém lhe ouve! Escorrega. Ninguém lhe segura! Cai. Ninguém lhe levanta! Tenta fugir de si. Ninguém lhe ajuda!

Que vida é esta em que ninguém lhe vê, lhe toca, lhe cheira, lhe saboreia, lhe ouve, lhe AMA? Qual o sentido nisso tudo? Velha, quase cega, quase surda, quase muda, trêmula e agora já desconhece os sabores da vida... Restaram-lhe apenas os dissabores que regam os seus recentes, últimos dias.

De repente, a imagem no espelho se dissipou. Ela saiu do banheiro. Voltou à sua gastada poltrona. Pegou o seu pincel, tintas e tela. Finalizou a pintura. Viu, diante de si, um autorretrato: uma mulher velha, quase cega, quase surda, quase muda, trêmula e que desconhece os sabores da vida.

Eram 21:00 e o sino tocou: “Hora de velho ir dormir”, diziam os mais jovens. A luz apagou e o asilo dormiu.


* Josenilce Barreto é graduada em Letras Vernáculas e mestra em Estudos Linguísticos pela Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS), além de lecionar na mesma instituição. Também integra o conselho editorial da Graduando.

terça-feira, 30 de dezembro de 2014

MAIS UMA NOITE DE NATAL

Por Pâmella Araujo da Silva Cintra*


É noite de natal. Sim, mais uma noite de natal. Tudo igual! Nem árvore, nem presentes, nem família reunida. Apenas um frio, não aquele frio por falta de vestes, mas aquele frio por falta de calor humano. Hoje é Natal!

Hoje, todos devem estar reunidos, comendo sem parar, crianças abrindo presentes do Papai Noel. E eu, bem... eu estou aqui assistindo a noite de natal...

Não acredito em Papai Noel, e em nenhum ser fantástico de luz. Eles não existem! Eu pedi a Papai Noel, quando eu ainda acreditava que ele existia, que não me desse presentes caros, não queria carrinhos, nem bicicleta, só queria uma coisa...Tá vendo? Papai Noel não existe! Continuo sem uma família feliz.

Quero que essa noite passe logo. Infelizmente outros natais virão. E, novamente, passarei por essa agonia. Por essa necessidade de na noite de natal ter uma família feliz. Será que todas as famílias são felizes? Vivem em paz o ano todo? Existe mesmo família feliz?

Eu não sei, eu não sei de nada. Talvez eu não saiba de nada mesmo. O que é família? Vazio. É um vazio! Minha família é assim para mim, um eterno vazio dentro de mim. Ainda assim Feliz Natal, família!


* Pâmella Araujo da Silva Cintra é graduanda do 5º semestre do curso de Letras Vernáculas da UEFS.

segunda-feira, 22 de dezembro de 2014

CHUVA POÉTICA

Por Jessica Mina*


Eu estava encostada na máquina de lavar, pensando em fazer poesia quando, de repente, o céu inteiro se dissipou numa cor acinzentada que parecia entristecer. Na verdade, a poesia já estava feita e começava a cair em minha cabeça. Eu logo me apressei para não deixá-la desperdiçar. Caiam em mim pingos grossos de todos os lados, que eu não sabia onde guardá-los. Era muita poesia, eram versos fortes, donos de uma musicalidade e de uma dança que deixam qualquer sertanejo feliz. Então corri para apará-la com um balde e, em seguida, dei-me conta de que não era suficiente, pois a poesia transbordava, e logo inundaria a minha casa. Vesti-me, pois, de fios daquela poesia cristalina e ajeitei algumas roupas no varal. Feito isso, entrei em casa, fechei a porta e prendi a chuva lá fora.


* Jessica Mina, graduanda em Letras com Inglês 5º semestre na UEFS.

sexta-feira, 24 de outubro de 2014

“LOVE ME DO”

* Por Jessica Mina de Sousa


Eu acabara de sair de uma tarde enriquecedora num minicurso realizado na biblioteca Julieta Carteado quando encontrei algumas amigas, com as quais parei para tagarelar. Conhecer um pouco mais sobre Caio Fernando Abreu e identificar-me com algumas características fortes presentes em suas obras deixou-me em estado de fluxo de consciência; mesmo assim, aceitei o convite de Thaylane para tomarmos o café da noite no restaurante universitário. 

Todo aquele trajeto, corriqueiro para nós, não aparentava nada de anormal. Por isso, batíamos papo tranquilamente. De repente, apagaram-se as luzes. A reação instantânea foi de gritos e guizos. Por um minuto a fila parou, e podia-se imaginar a cara assustada das pessoas sem saber direito o que aconteceria a partir dali. Posteriormente, disseram que foi acidente feio na BR que provocou a falta de energia elétrica na Universidade, mas não faltou iluminação, e todos alimentamo-nos à luz das lanternas dos celulares.

As pessoas fizeram sua refeição ali mesmo, porém, mais próximas que o comum, pois uma coisa diferenciava aquele momento dos dias cheios no bandejão, nos quais as pessoas sentam-se bem próximas nem sempre por opção, mas por falta de outros lugares disponíveis. Hoje, o que ajuntou os seres ali presentes, foi a falta de energia elétrica e a presença de luz. Tanto que o rapaz que se sentou ao meu lado ainda disse para o colega: “Peraí, vei! Senta perto de quem tem luz!” E eu me senti iluminada, pois Thaylane portava um aparelho celular com lanterna, diferente do meu, que além de despertador serve apenas para ouvir músicas e fazer chamadas.

Foi um momento incrivelmente poético, e ao fundo, atrás das conversas batidas sobre provas, trabalhos e final de semestre, podia-se ouvir o solo maravilhoso da gaita dos Beatles em “Love me do”. O ritmo da música encheu o R.U. de uma energia transcendente que me acompanhou até em casa, para que eu não esquecesse de gravá-lo. Definitivamente, foi para mim, um dos dias mais inolvidáveis da vida universitária; e na cabeça, aquelas vozes que se repetem: “so pleaaaaaaaaaase, love me do, oh oh love me do”.

A saída de alguns estudantes pelo portão lateral aconteceu em bando, pois todo aquele aglomerado de cidadãos sente-se constantemente refém da marginalização que habita a rua Jurema e todo o conjunto de casas e prédios de aluguéis denominado Feira VI. Dobrei a esquina do meu caminho a passos largos, quase que correndo, e confesso que o temor de ser vítima, mais uma vez, passeava pela minha corrente sanguínea tão rapidamente a ponto de me fazer suar.

O alívio, ao entrar em casa e ver Talita deitada no sofá com uma vela miúda ao lado da TV minúscula, foi inspirador, motivo pelo qual fiz-me rabiscar as primeiras linhas de algo que eu ainda nem sabia o que viria a ser. Agora, sentada em frente a esse mundo que é o computador, a internet e sua imprescindível capacidade de armazenar dados limita-me a ser somente palavras, que guardadas, poderão algum dia refrescar a memória.


* Jessica Mina de Sousa é graduanda do 5° semestre do curso de Letras com Inglês na UEFS.

sexta-feira, 17 de outubro de 2014

ANOS SECOS

* Por Maria Rosane Vale Noronha Desidério


Queixando-se de mal estar, dona Evangelina deixou o velho corpo enrugado descansar entre as pedras do rio Puiú. E, avistou ao longe a arribada de passarinhos procurando água nas cacimbas. Tempo perdido! As cacimbas minguavam depressa debaixo daquele sol de novembro. Tudo havia minguado. O resto de água que a seca não carregou, estava protegido dessas aves, de todas as aves.

Dona Evangelina tinha essa mania de quando ia buscar água nas cacimbas do velho Puiú, deixar-se ali, meio que abandonada por si mesma para admirar o entorno. Usava esse tempo para fugir dos desesperos caseiros. Deixava-se embalar pelos pensamentos fugidios e pelo silêncio do mato. Um silêncio quebrado unicamente pela arribada de aves e pelos bichos entoando seus lamentos de sede.

Mas, ela se recordava que o sertão nem sempre foi assim. Nem sempre houve sede coletiva e compartilhada entre bichos e homens, nem sempre as plantações se perdiam, minguadas pela secura do solo ou a invasão da lagarta. Houve tempos em que o sertão era um paraíso farto e alegre. Um tempo bom em que o céu se vestia de cinza e derramava água à vontade. Era bonito ver os meninos aos pulos se banhando nas bicas ou se enlameando nas poças de água. A lua escondida e o sol intimidado admirando as nuvens carregadas. Nada podia se comparar à felicidade das chuvas, o povo colhendo feijão, milho, melancia, as mulheres e os meninos aos pés do fogão à lenha, assando espigas fornidas na brasa. Uma beleza!

Mas agora, a terra amargava três longos anos de seca, e o velho rio só possuía cacimbas de água barrenta e salobra, e o açude da vizinhança, tão grande e cheio de peixes, amargava uma morte apressada. Era triste avistar ao longe aquela imensidão de peixe morto às margens, cada vez mais encurtadas, do açude. Dona Evangelina sentia aquela tristeza arrebatar suas forças. E o sol parecia ter baixado sobre a cabeça do povo. Os sertanejos pareciam esquecidos.

Dona Evangelina estava ali, pensando nos tempos fartos, nas alegrias aos pés da trempe onde os meninos assavam milho verde. Agora as roças estavam desertas e a comida minguava. Perguntava-se diariamente porque o sertão era tão esquecido e seco. ­­­­­Era seco por gosto de Deus? Achava que não. O sertão tinha jeito, tinha sim. Faltava era o querer de quem podia fazer. O sertão era esquecido porque os homens do poder só visitavam os sertanejos em prazos de dois anos. Vinham sempre alegres, cheios de boas ideias e palavras bonitas. Dava gosto de ver. Depois se escafediam, evaporavam como fumaça. Era sempre igual. E os sertanejos minguavam ou arribavam-se para as cidades. Perdiam-se naquela imensidão. E, em sua maioria, permaneciam esquecidos. Poucos voltavam.

Dona Evangelina lamentava essa necessidade que tinham muitos sertanejos de despregar-se de seu chão e desaprender a lidar com a terra para aventurar-se em chão alheio. Aquilo era uma violência. Muitos morriam por dentro. Outros morriam de todo. Não voltavam.

Se os filhos quisessem ir embora, ela teria que deixar. Tinha medo disso, mas sentia que não tardaria a acontecer. Quase todos os filhos do sertão estavam fazendo isso — indo embora. O sertão estava secando por dentro. E o sertão era tão bonito! Mas os novatos tinham medo da seca, queriam outros caminhos, outros destinos. Se tivesse boa vontade dos homens do poder o sertão não careceria ter medo dos anos secos.  E ela não careceria ter medo de ver os filhos se enveredarem pela estrada do sul.

Agora avistava aquela arribada de aves. Logo elas iriam embora também,procurar água em outros rios. E ela voltaria para casa com o balde repleto de água salobra para encher os potes, enquanto ainda houvesse água salobra. Enquanto ainda houvesse...


* Maria Rosane Vale Noronha Desidério é aluna do 5º semestre do curso Letras Vernáculas pela Uefs.

domingo, 6 de julho de 2014

JANELAS DE LEMBRANÇAS

Por Maria Rosane Vale Noronha Desidério


Ouço as janelas e as portas serem fechadas com cuidado. O céu parece acinzentar-se e a noite enfim começa a tragar o dia. E, eu permaneço imóvel a observar ao longe as ruínas da velha casa de taipa que o avô de minha avó havia erguido em tempos remotos. Bons tempos aqueles! Diz minha avó com saudades nos olhos sempre que rememora as velhas lembranças daquele passado, guardado nas ruínas da velha casa de taipa.

E foi ela quem nos contou uma história extraordinária sobre a grande descoberta de seu avô, o meu tataravô... É claro que nós quando temos quinze anos nas ventas raramente ouvimos com atenção velhas histórias de família, mas eu adquiri uma curiosidade particular pelas histórias de minha avó. E talvez seja por isso que não consigo despregar os olhos daquela velha tapera, pois foi lá que se iniciou a caçada de meu tataravô...

O mês foi setembro. O ano devo confessar que, se minha avó mencionou, já não me lembro. O fato é que meu tataravô avô, um cearense da gema, criado entre os juazeiros e o chão de terra seca no sertão pedregoso, teve um sonho fantástico, imaginem?! Sonhou que debaixo do chão sertanejo existia ouro. Enfiou na cabeça que precisava procurá-lo. Teve a certeza de que aquele sonho era um sinal, e que ele havia sido escolhido pelo destino para encontrar os tesouros enterrados por fazendeiros que temeram os revoltosos, uma espécie de cangaceiros que outrora saqueavam as fazendas. Diz uma velha lenda que circunda o sertão que quando um fazendeiro enterrava seu ouro, este desaparecia debaixo do chão. E, só era encontrado após sua morte. Obviamente, esses fazendeiros não tinham consciência de tal lenda. Que ironia! Guardavam para perder...

Meu tataravô deixou para trás tudo e embrenhou-se solitário à procura do ouro. Dizem que ele não contou nada sobre sua empreitada nem mesmo para minha tataravó, que ficou a ver navios com a dúzia de filhos agarrados à saia. A estratégia de manter segredo fazia parte da lenda. Se o cabra contasse para alguém o ouro fugia dele, ficava invisível aos olhos do dito cabra. Meu tataravô não ia querer uma miséria desta, não é mesmo?

Ele ficou um bom tempo hospedado em umas casas de pedras esculpidas pela própria natureza nos serrotes sertanejos e, depois de uns oito meses sem enviar notícias à esposa, ele voltou para casa em uma noite como esta de hoje. E, com os olhos apreensivos, sem dar maiores explicações ordenou que a família juntasse as tralhas e amarrasse tudo no lombo dos jumentos, pois precisavam arribar-se dali com urgência. Minha tataravó, resignada e desconcertada, obedeceu às ordens. Então escafederam-se dali, fugiram pela noite escura em busca de abrigo na vila de Cachoeirinha.

Fiquei curiosa para saber o motivo de tal fuga e minha avó me explicou o restante da velha lenda sertaneja. Dizem que se uma pessoa sonha com um lugar que tem ouro e o encontra, precisa mudar de casa rapidamente, pois do contrário sofre maldições. Na certa era a explicação.

Meu tataravô se tornou homem influente na região. Seus filhos, contudo, não carregaram toda a fama dele, e a nós coube a história de família, coube as lembranças. E uma incerteza: terá ele, de fato, vivido essa história? Ou tudo isto não passa de lenda? Lastimavelmente, em nosso bolso o ouro não chegou!
  
Hoje eu espicho os meus olhos para a tapera ao longe, tentando reconstruir a memória de minha avó, mas talvez cometa o pecado do esquecimento, deixando algum fato encoberto ou o pecado do acréscimo, tentando compensar os rastros apagados da memória.

Minha avó, que ainda nos conta boas histórias, mora, hoje, bem longe de mim, mas continua contando aos netos menores, quando estes param para ouvi-la, as histórias de nossa família tal como esta história curiosa de meu tataravô e o ouro que o sertão guardou em seu chão.

E, eu preciso confessar que a velha tapera não está e nem nunca esteve ao alcance visual de meus olhos, infelizmente, mas ao alcance da memória. Sim, minha memória, é ela que avista, ao longe da janela de minhas lembranças, a velha tapera.

E como negar sua existência ou sua inexistência? Não importa, ela existe em mim.

Em homenagem a minha querida avó Rosa, que sempre me conta boas histórias e de quem cultivo imensas saudades.



* Maria Rosane Vale Noronha Desidério é aluna do 4º semestre do curso Letras Vernáculas pela Uefs.

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