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segunda-feira, 11 de abril de 2016

LITERATURA LATINO-AMERICANA: UMA LITERATURA ANTROPOFÁGICA

Por Maria Rosane Vale Noronha Desidério*


Pensar em literatura brasileira é quase sempre ouvir as vozes de outras literaturas. Os escritores nacionais, quase sempre em suas buscas pelo original, esbarraram na cópia, na transferência de estéticas europeias. Tudo começou com a colonização. O povo que aqui se formou a princípio só podia ler a literatura portuguesa. E quando finalmente o Brasil ganhou ares de império, já estava tão impregnado pelos modelos literários europeus que não conseguiu firmar-se nacional em sua escrita. José de Alencar, por exemplo, ao escrever O Guarani, esbarra na visão de um índio que jamais existiu no Brasil. Era uma cópia do bom selvagem de Rousseau. Uma tentativa de criar um herói nacional, porém esse estava impregnado de valores medievais europeus.

Alencar pretendeu falar de nacionalidade, pretendeu dar os contornos da identidade brasileira, mas assumiu uma literatura altamente europeia. Tanto que nem sequer conseguiu representar o índio nacional como ele era ou fora um dia. O Romantismo brasileiro respirava a Europa. E os românticos definiam a identidade nacional ao som das vozes francesas. Gonçalves Dias, ao escrever o poema “Canção do exílio”, seguia, ainda que indiretamente, os conselhos dos franceses, que mostraram aos escritores brasileiros o viés para que estes definissem a identidade do Brasil, um país tão jovem intelectualmente e tão complexo socialmente. Esse viés era a natureza natural, rica, exuberante e exótica.

No Realismo/Naturalismo, os escritores buscaram incessantemente revelar a face mais nua e real do país. Mostrar o povo no seu opróbrio, nos seus vícios, na mesquinhez humana. Mas ainda assim, foram as teorias cientificistas que ditaram a maneira que os escritores leram o Brasil do século dezenove. O exemplo mais profundo do enraizamento das ideias cientificistas europeias, impregnadas no pensamento nacional e no modo do brasileiro ver a si mesmo, se encontram eternizadas no livro O Cortiço, de Aluísio Azevedo.

Estes são alguns exemplos do quanto a literatura nacional esteve atrelada à europeia, destacando-se a portuguesa e a francesa. Essa dificuldade em produzir uma literatura autêntica muito incomodou os estudiosos do assunto. A busca pela estética nacional sempre esteve na pauta das discussões literárias nacionais, mas nunca se conseguiu encontrar um caminho para a total alforria intelectual do Brasil.

E seria insano pensar em alforria total? Provavelmente. Os escritores nacionais vêm de uma tradição antiga: a da leitura voraz dos clássicos mundiais. É natural que a estética nacional esteja impregnada de outras literaturas. Mas isso é de todo ruim? Não. O fato do escritor brasileiro se deixar influenciar por outras tradições literárias não faz dele um mero reprodutor, uma máquina de xerox intelectual. É clara a influência estrangeira, como também é clara que uma ruptura absoluta com essa influência é praticamente uma fantasia. Principalmente em tempos como os de hoje, século XXI, onde as distâncias são reduzidas pelos meios digitais e as ideias circulam muito mais rápidas.

Os anos 20 do século passado trouxeram certo alívio quanto a essa questão das influências na literatura nacional. Oswald de Andrade, consciente de que as ideias estrangeiras estavam impregnadas não só em nossa literatura, mas em toda a nossa cultura – afinal, a própria linguagem usada nos textos e no falar erudito se voltava para o português de Portugal –, trouxe o conceito de antropofagia intelectual. E admitiu que sim, copiamos e digerimos várias ideias europeias, mas ao digerirmos, nós absorvemos delas apenas o que nos interessa, e ao absorvermos, nós a transformamos, adaptamos ao nosso contexto. E assim, essas ideias se tornam outras. Tornam-se nossas.

Assim, o “entre-lugar” da literatura não só brasileira, mas de toda uma tradição latino-americana não pode ser diminuída porque há forte influência europeia. As influências foram e são digeridas. E, a literatura latino-americana, ao deglutir as influências do “Outro”, não as reproduzem inconsciente e inconsequentemente, o fazem de maneira que o Brasil e a América latina se revelem em suas particularidades, de modo que podemos dizer que a literatura latino-americana é dos latinos americanos e não dos europeus. Somos antropofágicos sim, mas não meros copiadores.


* Maria Rosane Vale Noronha Desidério é graduanda em Letras Vernáculas - 7º semestre.

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