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terça-feira, 20 de outubro de 2015

UM “À PARTE” DE MÃOS

Por Danilo Cerqueira *


Dois se aproximam. Dois diferentes, ou duas diferentes, sofrem ao se aproximar. Suas duas vidas, divididas no sem-número de dias de existência, ambicionam ter uma à outra. Todos as percebem. À vista se desejam, multidão e dupla. Cada um espera ansiosamente chegar ao momento de ter em si isto que é, em parte, a marca da presença deste outrem: o olhar do outro.

A grande multidão acompanha, dia após dia, a redução dos momentos que antecedem a esse encontro. Inúmeras redes de TV, emissoras de rádio aos milhares, sites e blogs estão interessados em registrar esse fenômeno... A mídia volta-se com interesse e necessidade, como se tal acontecimento a fizesse reencontrar algum princípio existencial publicitário ou publicitante, ou mesmo público, ou mesmo coletivo.

Pessoas seguem, aguardam, suplicam inconscientemente pelo encontro. Sugerem, suscitam, implicitam mensagens subliminares, promovem comerciais incitantes e subversivos, tudo isso visando a que amigos, colegas e conhecidos induzam mais rapidamente o encontro em cada um... Mas sempre infelizes tais e incontáveis técnicas de propagação de ideias essas que, cotidianamente, insistem para que ocorra o encontro entre os dois.

Não há rostos, não há cores, não há roupas. Há apenas a necessidade exacerbada de que os dois, ou as duas, finalmente saciem a agora já infinita agonia que suplicia a população mundial.

Não se sabe porque a ausência do encontro tanto aflige o corpo da massa. Procurar motivações também não parece ser a maior preocupação dos estudiosos da Ciência, mais ávidos em aplacar a querência existencial no encontro do que teorizar sobre o fenômeno, inconscientemente quase biunívoco e, certamente, mobilizador.

Todos o esperam com grande apreensão, mas aguardam com certa eminência o acontecimento. Todos conhecem os dois, mas eles não se conhecem. Por isso, acompanham-se mutuamente, embora não tenham se encontrado. Nunca se entreolharam: feito o amanhecer e o fim de tarde, seus globos nunca poderiam se encontrar. Haveria de chegar, certo dia, um eclipse: o tempo e o espaço sempre transgredindo a lógica da imaginação, exatamente na realidade daquela fantasia que, subitamente, vê-se concretizada.

Nesse dia, a distância entre ambos se colocou abaixo de suas existências, acima da crosta terrestre e na linha de seus narizes. Finalmente cederam, à população mundial, a revelação de seus sonhos mais ressurgentes de paz e prosperidade...

O eclipse pôs a desordem em suas visões. Enfim puderam ver um ao outro, notarem-se, chegarem-se, diminuírem a distância pouco a pouco, acompanhados também pelas objetivas artificiais de aparelhos, bem como os olhos de homens e mulheres. O acompanhamento terminou por configurar-se numa apreensão sobre o que aconteceria quando o toque se confirmasse: uma revolução, uma guerra, uma nova organização de governos, religiões, organizações econômicas ou políticas, novas concepções de existência e ciência do homem e da Terra. Onde se reorganizaria a humanidade após este que seria o novo marco na história das relações do ser com seu ser e, por consequência, com todos os demais igualmente diferentes a ele?

Tudo aconteceu rapidamente...

Como disse, entreolharam-se, lembraram-se de que já haviam se visto, mas nunca aos olhos do outro: portanto, simultaneamente. Seguiram-se um ao encontro do outro. A velocidade dos passos que diminuíam a distância variava, até que se reduziu, quase parando... e parou: os olhares fixaram-se nitidamente. Um par de mãos, aparentemente desprezadas no amplo espaço, semiergueram elevadas pelos antebraços. O mundo prestes a aplaudir – infinitivamente – e a dupla, no intuito de, com as mãos, abraçarem-se, foram ao aperto.

– Muito prazer.

E o povo sorriu.


* Danilo Cerqueira é licenciado em Letras Vernáculas, além de especialista e mestre em Estudos Literários, todas graduações pela UEFS. Também é membro do conselho editorial da revista Graduando: entre o ser e o saber.

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