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sábado, 15 de março de 2014

O OUTRO LADO DO DESEJO

* Por Joilma Maria de Freitas Trindade


Passava do meio-dia, quando ela entrou no meu gabinete e perguntou-me: Já almoçou? Olhei para aquela figura esbelta, cintura fina, peitos fartos, cabelos longos, olhos castanhos claros; arrogante, pretensiosa, e pensei: diante de tanta petulância, responder o quê? Porém, esquivei-me, e, ligeiramente, atribui-lhe como resposta uma pergunta: o terno que pedi que pegasse na alfaiataria está adequado para ir a um casamento? Posso guardá-lo até quando, sem que esteja fora de moda? Em quais outras situações poderei usá-lo? Era muito bem informada, eclética, conhecia de tudo um pouco. Ela desarmou-se de sua arrogância, e, curiosamente começou a questionar-me sobre minhas palavras. Mas, novamente, tratei de lhe tirar do ambiente que não lhe convinha. Solicitei que pedisse a criada que passasse um café fresquinho para nós.

Não demorou, e lá estava ela de volta com a bandeja composta por duas xícaras de porcelana fina, trazidas de uma viagem à Europa. Trouxe também alguns biscoitos finos, que costumava comprar para receber minha clientela. Acomodou-se ao meu lado, como se estivéssemos algo muito sério a conversar. Procurei não desviar a atenção da papelada que tinha em mãos, pois sabia que no primeiro vacilo, ela tentaria mencionar um assunto relacionado com o que pretendia me fazer ver ou sentir; há algum tempo, quem sabe.

Conversa vai, conversa vem, como dizia minha vó, continuava preso àquele montão de papéis e pastas, que tomavam toda a minha mesa. Ela insistia em fazer com que olhasse para seus movimentos, pois conversava e gesticulava muito, pude perceber num rápido movimento da cabeça. Vendo o passar das horas, isso já era quase quatro da tarde, não esqueceu o primeiro questionamento e repetiu: Já tinha almoçado? Talvez quisesse especular onde teria feito minha refeição. Fiz de conta que não ouvi a interrogativa, deixei cair uma parte do material no chão, e, escapei mais uma vez.

Não queria desagradá-la, ou quem sabe desnutri-la de suas esperanças. Afinal, suas intenções não eram tão ruins assim. Incomodava-me, porque não era o que realmente desejava. Assim, pedi licença, disse-lhe que um compromisso inadiável me esperava e não sabia o horário do meu retorno. Participaria de uma reunião, não mencionei o lugar para não ficar intrigada. Disse-lhe que ia definir algumas estratégias em defesa de uma causa de um nobre médico da região. Ela, então, acompanhou-me até a sacada da casa, com seu olhar atento e curioso. Parecia-me ansiosa, sei que não desistiria tão fácil de relatar seus predicados, para alcançar seus objetivos. Cheguei, já era madrugada. Entrei devagarzinho, não acendi as luzes, portei-me como um bom cavalheiro, pois não queria acordá-la. Subi as escadas, entrei em meu quarto, tirei os sapatos, abri a fivela do cinto, lancei fora a camisa, quando de repente ouvi um barulho por trás da cortina. Esta era grossa, de tecido vermelho escuro, não permitia ver, de imediato, o que ou quem estava ali atrás. Apesar do susto, mantive a clama e me dirigi, aos poucos, em direção à cortina. Não foi fácil, não imaginava o que me esperava. 

Levantei a cortina e lá estava ela, com os cabelos soltos, vestida numa bela camisola preta, uma rosa vermelha nos cabelos, um perfume francês espalhado pelo corpo, os pés brancos e finos descalços, e a brisa da janela semiaberta, passeando por seu corpo. Hesitei, no primeiro momento, mas não pude deixar de elogiá-la pela surpresa que ora se propôs a me fazer. Nunca acreditei que teria tal atitude. Sei que tinha suas pretensões, seus anseios, seus sonhos, mas deixar-se envolver daquele jeito, surpreendeu-me, consideravelmente.

De repente, perguntou-me se o terno que encomendei na alfaiataria seria usado com ela. Numa taça de cristal, ofereceu-me um licor.  Agia como se quisesse me deixar num beco sem saída. Colocou-me sentado na poltrona que havia em meu quarto, abaixou-se junto aos meus pés, e não perdeu a oportunidade.  Começou a explanar a narrativa que guardava, há anos, em seu íntimo. Levantei-me bruscamente, tentei evitar, mas já era tarde.

Falou-me dos sentimentos que nutria pela minha pessoa, do desejo de se tornar minha esposa, da felicidade que nos esperava. Apesar da idade um pouco avantajada, dos filhos que poderíamos ter. Não era essa minha intenção, mas contive suas emoções, explicando que não passávamos de bons e velhos companheiros. Tinha uma grande admiração por seus atributos; sua competência, suas habilidades, sua confiança, seu empenho, seu cuidado, seu zelo. Naquele momento, não pensei nos pontos negativos que lhe acompanhavam, estes todos nós carregamos, são marcas escritas num livro próprio.

Mas, enfim, apresento a minha dedicada e entusiasmada governanta, a quem dedico todo meu carinho e respeito pelos anos de trabalho que compartilhamos juntos. Governanta que achava que sabia tudo sobre mim. Só não sabia que era um homem perdidamente apaixonado pela filha de um nobre médico da região, e a causa que saí para definir as estratégias naquela preciosa noite, tratava-se dos trâmites para o noivado e a realização do meu casamento com a filha do conceituado profissional. Quis poupá-la... Informá-la da decisão no momento oportuno.


* Joilma Maria de Freitas Trindade cursa Letras Vernáculas na Uefs.

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