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terça-feira, 1 de outubro de 2013

MEMÓRIAS

Por Bruna Maria*

No momento em que eu me preparava e arrumava todos os objetos nas caixas para a minha mudança, entrei em meu quarto, comecei a separar todas as peças com a maior sutileza e paciência; uma por uma. E nesse mesmo instante em que eu revirava o meu aposento, encontrei um velho baú, o qual eu não me recordava da existência, ele estava completamente empoeirado, possuía um cadeado com marcas de ferrugem e envelhecido. Acredito que assim como o nosso corpo sofre com as assolações do tempo e as mudanças do meio, com ele não poderia ser diferente. Olhei-o fixamente durante alguns minutos, tentando evocar alguma lembrança do que ali eu havia preservado. Mas, em mim, das poucas recordações que existiam, eram distantes e vez por outra me deixavam com uma enorme sensação de vazio.
 
Provavelmente a chave daquele ferrolho devia ter se perdido nas bifurcações do mesmo recinto em que me encontrava. Com isso, não hesitei em procurar algo que desfizesse aquele obstáculo ao qual fui imposto. Encontrei uma espécie de martelo, ou algo que o imitava; peguei o baú e lancei sobre o cadeado uma bordoada que rapidamente fez com que o mesmo se abrisse. Nesse intervalo, sentei-me no chão e cuidadosamente fui levantando a parte superior da canastra. Ao abrir a mesma por completo, fui tomado por uma surpresa imensa. Ali haviam histórias representadas em cartas e fotografias que marcaram profundamente a minha vida. E, sentado naquela superfície plana, fui golpeado por um intenso sentimento de devaneio e nostalgia. Espalhei todo aquele tesouro no piso da minha alcova. Talvez algumas pessoas me achassem um longevo desatinado e se perguntassem: “Como ele pode considerar um amontoado de papéis velhos e lívidos uma riqueza?!”. E eu simplesmente deixaria um sorriso escapar e no meu mais íntimo responderia: “As lembranças são as maiores riquezas que possuímos, sendo assim, aquele sim era o meu verdadeiro tesouro...”.
 
Enquanto os meus olhos se perdiam naqueles envelhecidos retratos um tanto desbotados devido ao longo período que passaram dentro daquele baú, eu me esvaía em risos largos e utopia, mantendo assim uma ânsia imensurável de rememorar aqueles momentos similares. Além disso, diante de todas as fotografias que ali estavam, havia alguns envelopes que se perdiam no meio delas. Sobrescritos que carregavam cartas, as quais nunca foram entregues ao destinatário. A maioria delas eram minha, eu as escrevia e guardava. Embora não me faltassem palavras para descrever o meu sentimento por aquela que foi a minha vida, eu me tornava um fraco e desencorajado no momento de enviá-las para Antônia. Era assim que ela se chamava. Uma mulher de cabelos longos e negros, a qual possuía uma espécie de áurea que emitia uma paz somente através dos seus olhos. E dentre todos os meus escritos, encontrei um da minha querida Antônia. Nesse exato momento, o meu coração pulsou mais forte em meu peito, entretanto, retirei-o do envelope e desdobrei a folha pacientemente, apesar da tinta da caneta estar um pouco apagada em algumas partes no papel, não foi o suficiente para me impedir de ler a sua composição de palavras ali escritas. Com os meus olhos fixos nela, comecei a leitura:
  
“São Paulo, 19 de maio de 1948,
Meu querido Eduard,
Enquanto o sol brilha lá fora e sem que eu permita invade o meu quarto desfazendo todos os vestígios de névoa, encontro-me nesse exato instante sentada em minha escrivaninha, com uma caneta em mãos, buscando selecionar as poucas palavras para descrever o quanto a sua falta se faz presente nos últimos dias. Hoje, retornei ao parque onde costumávamos nos encontrar; sentei em um daqueles bancos que ficavam de frente para a lagoa e para aquela paisagem vislumbrante. Foi quando sem querer percebi a presença de um casal de idosos no banco ao lado. Eles se acarinhavam e amavam-se de uma forma tão pura e suave... aquilo era tudo tão lindo e ao mesmo tempo tão triste! Enquanto eu os observava sendo embalados pela canção do amor, sentia uma sensação áspera em meu peito, a saudade ia me dilacerando por dentro, pois a todo momento eu era invadida por doces e saudosas lembranças de nós dois. Passei quase duas horas lá, logo em seguida voltei para casa, e mesmo fraca resolvi escrever-te. Meu querido, tantas coisas aconteceram depois da tua partida. O ambiente mudou, os ares mudaram... a minha vida modificou... Sabe todos aqueles meus sonhos, planos e o destino que havia planejado para mim; para nós? Eles se desfizeram como grãos de açúcar em um copo d’água. Nesta manhã, descobri que tenho pouco menos de dois meses de vida. Sinto que esta será a última carta que te escrevo. Por favor, peço que não se desespere. O amor quando é verdadeiro sobrevive até mesmo à morte. E o nosso já superou tantas coisas, não é mesmo? Essa será apenas mais uma. Sabe meu amado, enquanto preencho estas mal traçadas linhas com respingos de tinta, caem poucas e silenciosas lágrimas dos meus olhos.  Por mais forte que eu tente ser, a cada palavra que está sendo posta nesta carta isso se torna cada vez mais impossível. Tenho a violenta sensação de que o meu coração vai sendo contraído aos poucos... Mas, eu te prometo lutar com todas as minhas forças para vencer esta doença e ficarei te esperando para nos envolvermos nos laços do fascínio debaixo de cada raio de luz solar. Para que possamos recuperar o tempo perdido, retomando todo o nosso amor.
Amo-te, para sempre!
De sua querida e eterna,
Antônia.”
 
Eu me encontrava oco, vazio, assim como aquele quarto. Ao ler cada palavra que se encontrava naquela velha folha amarelada, eu ia me perdendo em supérfluas e excêntricas memórias do meu passado. Mas, aquela carta foi o suficiente para fazer com que eu desmoronasse juntamente com o temporal que caía do outro lado da janela, enquanto um nó atravessava a minha garganta e algumas lágrimas escorriam pela minha face. Contudo, as enxuguei, levantei-me daquele chão, saí do meu quarto, tranquei a porta e mantive o meu silêncio.

Segurando um ramo de jasmim, a sua flor predileta, fui até o local onde Antônia havia sido sepultada, nenhuma palavra saía da minha boca, o meu desespero, meu pranto estendido e os soluços cada vez mais intensos, já falavam o bastante por mim; enquanto em meu mais íntimo me perguntava: “Meu Deus, porque eu fui fraco? Porque eu fugi daquilo que eu sentia? Porque eu te abandonei, meu amor? Por quê??!! E agora eu te perdi, não digo que para sempre, pois nada se perde para sempre... Fiquei ali entrementes algumas horas, estático e calado e com a sensação de que facas adentravam o meu corpo... E hoje, eu, um homem de 65 anos, levo comigo apenas as lembranças daqueles momentos que para mim, sem dúvidas, foram únicos. Além da paz do olhar de Antônia. E assim, espero calmamente pelo dia em que nos encontraremos pela segunda e última vez, para rememorar aqueles velhos instantes e para que possamos nos amar além do incontável e da perpetuidade. Pois, eu sei que o nosso amor ainda sobrevive em mim; em nós... E dessa forma, ultrapassa os estorvos da morte, aquilo que para muitos é o fim, enquanto que para mim, é apenas mais um recomeço do outro lado da vida.

* Bruna Maria é estudante de Letras Vernáculas na UEFS.

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