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sexta-feira, 3 de janeiro de 2014

MÚSICA, CINEMA E CULTURA: OLNEY SÃO PAULO EM "SINAIS DE CHUVA"

* Por Rosana Carvalho

Sob o Ditame de Rude Almajesto - Sinais de Chuva é um documentário rural produzido por Olney São Paulo em 1976. Esse curta-metragem tem argumento inspirado na crônica homônima do escritor feirense Eurico Alves Boaventura. O cineasta Olney São Paulo é natural de Riachão do Jacuípe, mas foi em Feira de Santana que Olney descobriu o amor pelo cinema e onde passou a desenvolver seus dons artísticos. Olney é mais conhecido pelo seu média-metragem Manhã Cinzenta, de 1964, que lhe rendeu prisão e processo durante um dos períodos mais críticos da Ditadura Militar. Ele sempre foi apaixonado pela temática sertaneja. Sinais de Chuva, segundo o próprio Olney, era um retorno a suas origens para documentar a preocupação do seu povo, no que se refere às condições climáticas da região.

Nesse documentário, o cineasta lança mão do diálogo com a literatura e com a música na construção dos significados para narrar a experiência do homem do campo em prever, nos sinais da natureza, se o ano terá ou não muita chuva no inverno. Trata-se de ensinamentos preservados na oralidade e transmitidos através das gerações como herança emocional. Sinais de chuva reproduz o lirismo e a cultura do camponês, seu apego pela terra e sua esperança em dias melhores.

Em Sinais de chuva, através do depoimento de Edgar Toledo, um sertanejo já idoso que viveu a seca de 1932, o espectador fica sabendo como ele percebe nos sinais da natureza se o inverno será chuvoso. A voz de Edgar em off se mistura com as vozes de outros dois camponeses, Valdenei, irmão de Olney, e Roque, que também contam suas experiências com a prática destes sinais: os ramos que o vento joga na estrada, quando o mandacaru floresce, quando o cupim cria asa ou a formiga avoa e até mesmo o cheiro da vegetação. Todo o depoimento é ilustrado com imagens da região onde vivem: as fazendas, os currais, o trabalho nas plantações, o hábito de pegar água nas cacimbas e os sinais de chuva (a lua no céu durante o dia, a flor do mandacaru, a neve na serra etc.).

As músicas que compõem a trilha sonora do documentário contribuem no processo de adaptação da narrativa literária de Eurico Alves em uma narrativa cinematográfica. Essas canções sertanejas dialogam com a temática da crônica e do documentário e ampliam o significado das imagens. Em alguns momentos do filme, enquanto os sertanejos explicam os sinais de chuvas, aparecem na tela imagens que ilustram esses sinais e, em alguns momentos, o espectador pode perceber, concomitante aos depoimentos, melodias das canções que também explicam os sinais. Por exemplo, quando um dos sertanejos explica o sinal de chuva indicado pelo marimbondo exu-caboclo, pode-se ouvir, como fundo sonoro, a melodia da música Marimbondo de Luiz Gonzaga cuja letra também explica esse sinal.

Bill Nichols distingue, na história dos filmes documentais, quatro estilos de produção, cada um com características formais e ideológicas próprias, a saber: o discurso direto, primeira forma acabada de documentário, o cinema direto, um terceiro estilo surgido a partir de 1970, que incorpora o discurso direto só que na forma de entrevista, e um estilo mais recente, auto reflexivo, que mistura passagens observacionais com entrevistas. De acordo com a essa divisão de estilo proposta por Nichols, o documentário de Olney desenvolve o estilo de cinema direto ou cinema verdade, pois suas cenas são construídas a partir de vivências reais acerca do assunto tratado, visando um efeito verdade através do imediatismo e da impressão de captura de cenas reais e diretas do cotidiano de determinadas pessoas, o que, segundo Nichols, caracteriza o estilo de cinema direto.

As crenças sertanejas para prever épocas de fartura de água ou para se preparar para avassaladoras secas, bem como o cotidiano da população sertaneja e seus saberes são exibidos de modo poético no documentário que reconstrói através de imagens a crônica de Eurico Alves e as canções nordestinas de Luiz Gonzaga. O documentário é formado por depoimentos de vivências reais no sertão e o descompasso entre as imagens e os depoimentos pode ser atribuído ao baixo orçamento do cinema brasileiro daquele momento. Em Sinais de chuva Olney reconstrói o ideário do sertão fabulando realidades, captando personagens em situações previstas ou improvisadas essa produção cinematográfica revela o imaginário do homem sertanejo com suas crenças acerca da chuva; situado entre o “cinema direto” e o “cinema verdade”, esse documentário vai além de reconstruir fábulas ficcionais das situações reais, ele é fundamental para discussão de aspectos importantes da cultura popular brasileira.

Referências

JOSÉ, Angela. Olney São Paulo e a peleja do cinema sertanejo. Rio de Janeiro: Quarteto, 1999.

NICHOLS, Bill. A voz do documentário. In: RAMOS, Fernão (Org.). Teoria contemporânea do cinema: documentário e narrativa ficcional. São Paulo: Editora Senac, 2005. p. 47-67. v. 2: documentário e narratividade ficcional.

NOVAES, Claudio Cledson. Aspectos críticos da literatura e do cinema na obra de Olney São Paulo. Salvador: Quarteto, 2011.


* Rosana Carvalho é graduanda em Letras Vernáculas da UEFS e Bolsista de Iniciação Científica Probic/Uefs

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