ENCONTRE NO BLOG...

quinta-feira, 15 de março de 2018

O OLHAR DE CAMINHA NO DISCURSO PUBLICITÁRIO

Por Israilda do Vale França*


O Jeep Renegade é o primeiro carro da marca produzido no Brasil, a sua campanha publicitária faz uma descrição do Brasil e apresenta-o como um país de floresta selvagem, de vento forte.

O filme publicitário traz de volta o “olhar” do colonizador, com o discurso de um Brasil de muitas águas, natureza diversificada, clima quente, admirados com a exuberância da natureza, surpreendidos com a flora, a fauna, a cultura dos habitantes que habitavam as terras brasileiras, como relata a carta de Pero Vaz de Caminha: “De ponta a ponta é tudo praia, palma muito chã e muito formosa [...]. E em tal maneira é graciosa que, querendo-a aproveitar dar-se-á nela tudo por bem das águas que tem [...] (CAMINHA, 1981).

Assim como na época do descobrimento do Brasil, o nacionalismo romântico também se preocupou em descrever a natureza, a vegetação se tornou uma prática dos seus escritores. Logo, em seu slogan o novo Jeep apresenta a frase “Ele não pertence ao nosso clima em outras águas se banha”, ou seja, o Jeep é um carro que não é do Brasil, porém está sendo produzido aqui.

Mas o que essa campanha publicitária nos leva a entender? Como a imagem do Brasil articulada no Romantismo (o Brasil como país tropical dos cronistas) é retomada convenientemente pela peça publicitária?

Para começar, o slogan da campanha traz a frase “feito pra você fazer história”. O filme publicitário faz um convite para desbravar, explorar as terras brasileiras com o novo Jeep, retomando o discurso dos cronistas que descreviam o Brasil como um país que possuía uma natureza bela, com terras a serem exploradas. O Romantismo encontrou na natureza uma maneira de exaltar a pátria (Brasil) como relata o poema Canção do Exílio: “minha terra tem palmeiras / onde canta o sabiá / as aves que aqui gorjeiam / não gorjeiam como lá” (DIAS, p. 1). A campanha publicitária do Jeep Renegade resgata novamente essa imagem do Brasil que possui matas, animais e que deve ser exaltado pela natureza que tem.

Nessa peça publicitária do século XXI pode-se constatar que há muita persistência em retratar o Brasil com o modelo nacionalista que predominava no período romântico, trazendo de volta todo imaginário europeu da época do descobrimento do Brasil. A publicidade do novo é produzida com o “olhar” do europeu, por isso que a natureza é retratada como incompreensível, indomável, selvagem, forte, perigosa, fazendo um tratado descritivo do Brasil.

O nacionalismo romântico, que impregnou em seguida nossas literaturas vinha ele mesmo da Europa, via França. A atenção que os escritores prestaram então à natureza Americana e aos aborígenes vinha diretamente da obra de Chateubriand, reveladora de uma matéria literária que eles tinham a domicílio (PERRONE, 1997, p. 250).

Assim como o nosso romantismo veio da França, foi impregnado no Brasil com base nos ideais franceses, voltando-se para o nacionalismo a exaltação da natureza­­­­­, o Renegade também veio de outro lugar, de outro olhar, para ser produzido no Brasil, por isso a paisagem representada em sua campanha publicitária é tão bela, o que se deseja é descrever a vegetação, exaltar essa beleza, riqueza, com o novo Jeep. A natureza brasileira é a grande observação, passamos a ver o Brasil com o olhar do “outro”. “A natureza americana vista pelo olhar europeu foi concebida como natureza natural, e como tal foi aceita pelos latinos americanos” (PERRONE, 1997, p. 252). A natureza apresentada na campanha publicitária do Renegade não é a imagem da natureza criada pelos brasileiros, mas uma natureza que torna-se bela comparada com a europeia, e passamos a nos ver pelo olhar do “outro”, a ver a nossa natureza hoje como o europeu via no momento do descobrimento do Brasil.

“Essa natureza, muito favorável ao desenvolvimento do gênio, esparze por toda parte seus encantos, circunda os centros urbanos com os mais belos dons” (DENIS, 1978, p. 37-38). A propaganda do novo Jeep se apropria e traz de volta todo o imaginário europeu, imaginário da terra propícia em que tudo o que se planta dá, os arvoredos, as águas infindas, o vento forte para poder convencer o telespectador que o Jeep é o carro que está pronto para desvendar, trilhar toda essa terra.  Sendo assim os brasileiros devem comprar o novo Jeep Renegade, pois é através dele que iremos conhecer a “nova terra”. A natureza será descoberta retomando a ideia de que o Brasil tem uma natureza selvagem.

Quando os colonizadores europeus chegaram ao Brasil, procuraram descrever toda paisagem que foi vista durante a viagem, como relata o trecho da carta de Pero Vaz de Caminha a D. Manuel, rei de Portugal: “Neste mesmo dia, à hora de vésperas, avistamos terra! Primeiramente um grande monte, muito alto e redondo; e depois outras terras mais baixas ao sul dele; e terra chã, com grande arvoredo”. (CAMINHA 1981, p. 96). Esta foi a descrição da natureza e a formação do imaginário europeu em contato com a “nova terra” que estava sendo descoberta.

Considerações finais

O novo Jeep apresenta as matas brasileiras como se fosse um lugar de diversão e busca por aventuras, o Renegade se vê atraído pela floresta e quer habitá-la, andar por ela. A maneira de ver a natureza no Brasil não mudou muito dentro da publicidade brasileira, os olhares que vieram desde a época dos colonizadores, ganhando força durante o romantismo brasileiro, continuam a ser repetidos na atualidade.

O Brasil continua a ser lembrado, não pelas histórias de independência do país, pelos índios que são constituintes da identidade brasileira, a nossa trajetória nunca é lembrada de maneira bonita, mas nossa geografia sim: “pouca história e muita geografia assim nos veem e, pior, assim nos vemos” (PERRONE, 1997, p. 253).

Passaram-se muitos anos desde a época do descobrimento até os dias atuais, porém essa ainda é a imagem que se tem do Brasil dentro e fora do país, a noção da natureza exuberante, porque este foi o retrato aceito pela sociedade brasileira de forma simples e sem questionamentos.

REFERÊNCIAS

CAMINHA, Pero. A carta de Pera Vaz de Caminha. São Paulo: Moderna, 1999.

DIAS, Gonçalves. Canção do exílio. Coimbra: 1843.

PERRONE, Leyla. Paradoxos do nacionalismo literário na America Latina. 14° Congresso da associação Internacional de Literatura Comparada. Edmonton, Canadá, ago. 1994.

DENIS, Ferdinand. Resumo da História Literária do Brasil. In: CESAR, Guilhermino (Org.). Historiadores e críticos do romantismo. 1. A contribuição europeia: crítica e história literária. SP/RJ: Edusp/LTC, 1978, p. 35-86.

VIMEO. Disponível em: . Acesso em: 25 set. 2015.

* Israilda do Vale França, graduada em Letras Vernáculas pela Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS). E-mail: israildaf@gmail.com

Nenhum comentário:

Postar um comentário

As mais visitadas postagens da Graduando

Graduandantes