Por Evair Teixeira e Silva*
No Brasil nunca roubei, não é na gringa que vou fazer isso. Esse povo estranho, frio, não fala comigo direito, aquele prédio de gente estranha, parece que colocaram todos os pobres juntos, até branco pobre tem. A fome bate cada vez mais forte. Estou cansado de comer todo dia a mesma coisa. Baguette, só tem nome chic, só tem casca, não dá para sustentar. Em que cilada fui me meter. Frio e fome. Nunca roubei lá, aqui não vou fazer. O iogurte e a pizza estavam ótimos, ninguém suspeitava de mim. Faz tempo. A geladeira é comunitária. Ainda bem, senão teriam desconfiado mais cedo. Eles sempre pensam que são os africanos roubando. Sou eu! Mas não dá mais. Preciso de feijão, preciso de carne, mesmo que seja aquela porcaria enlatada cheia de sal. Todo mundo rouba nesse supermercado mesmo. É chic no meu país, mas aqui é coisa de fudido mesmo. O pior é que tem sempre vários vigias. Nunca roubei! Vai ser só uma lata. Eles já me olhavam com suspeita mesmo. Mas se me pegarem? Já fiz escândalo uma vez lá, por me pararem, acho que não teriam a coragem de me parar novamente. Eles me olham com desconfiança sempre. Sempre. Nunca roubei lá, não é na gringa que vou fazer. Quanto frio. Fome e frio. Dedos doendo. A calefação do prédio é tão fraca, que dá no mesmo aqui ou lá dentro, não seca nem uma meia. Fome, esse estômago que não para de reclamar. Não foi esse país que me venderam. E se me pegarem? Já estou aqui em frente há tempos. Se ficar mais, eles vão desconfiar. Vamos lá, é hora de… não sei... Seja o que Deus quiser.
* Evair Teixeira e Silva nasceu em Muritiba, no recôncavo baiano, mudou-se para Feira de Santana para cursar Letras com Francês na UEFS. Atualmente desenvolve projetos e pesquisas nas áreas ligadas ao ensino-aprendizagem de línguas, cinema e literatura com enfoque nas questões étnico-raciais.
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sexta-feira, 1 de novembro de 2019
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