O Jeep Renegade é o primeiro carro da
marca produzido no Brasil, a sua campanha publicitária faz uma descrição do
Brasil e apresenta-o como um país de floresta selvagem, de vento forte.
O filme publicitário traz de volta o
“olhar” do colonizador, com o discurso de um Brasil de muitas águas, natureza
diversificada, clima quente, admirados com a exuberância da natureza,
surpreendidos com a flora, a fauna, a cultura dos habitantes que habitavam as
terras brasileiras, como relata a carta de Pero Vaz de Caminha: “De ponta a
ponta é tudo praia, palma muito chã e muito formosa [...]. E em tal maneira é
graciosa que, querendo-a aproveitar dar-se-á nela tudo por bem das águas que
tem [...] (CAMINHA, 1981).
Assim como na época do descobrimento do
Brasil, o nacionalismo romântico também se preocupou em descrever a natureza, a
vegetação se tornou uma prática dos seus escritores. Logo, em seu slogan o novo Jeep apresenta a frase
“Ele não pertence ao nosso clima em outras águas se banha”, ou seja, o Jeep é
um carro que não é do Brasil, porém está sendo produzido aqui.
Mas o que essa campanha publicitária nos
leva a entender? Como a imagem do Brasil articulada no Romantismo (o Brasil
como país tropical dos cronistas) é retomada convenientemente pela peça
publicitária?
Para começar, o slogan da campanha traz a frase “feito pra você fazer história”. O
filme publicitário faz um convite para desbravar, explorar as terras
brasileiras com o novo Jeep, retomando o discurso dos cronistas que descreviam
o Brasil como um país que possuía uma natureza bela, com terras a serem
exploradas. O Romantismo encontrou na natureza uma maneira de exaltar a pátria
(Brasil) como relata o poema Canção do
Exílio: “minha terra tem palmeiras / onde canta o sabiá / as aves que aqui
gorjeiam / não gorjeiam como lá” (DIAS, p. 1). A campanha publicitária do Jeep
Renegade resgata novamente essa imagem do Brasil que possui matas, animais e
que deve ser exaltado pela natureza que tem.
Nessa peça publicitária do século XXI
pode-se constatar que há muita persistência em retratar o Brasil com o modelo
nacionalista que predominava no período romântico, trazendo de volta todo
imaginário europeu da época do descobrimento do Brasil. A publicidade do novo é
produzida com o “olhar” do europeu, por isso que a natureza é retratada como
incompreensível, indomável, selvagem, forte, perigosa, fazendo um tratado
descritivo do Brasil.
O nacionalismo romântico, que impregnou
em seguida nossas literaturas vinha ele mesmo da Europa, via França. A atenção
que os escritores prestaram então à natureza Americana e aos aborígenes vinha
diretamente da obra de Chateubriand, reveladora de uma matéria literária que
eles tinham a domicílio (PERRONE, 1997, p. 250).
Assim como o nosso romantismo veio da França,
foi impregnado no Brasil com base nos ideais franceses, voltando-se para o
nacionalismo a exaltação da natureza, o Renegade também veio de outro
lugar, de outro olhar, para ser produzido no Brasil, por isso a paisagem
representada em sua campanha publicitária é tão bela, o que se deseja é
descrever a vegetação, exaltar essa beleza, riqueza, com o novo Jeep. A
natureza brasileira é a grande observação, passamos a ver o Brasil com o olhar
do “outro”. “A natureza americana vista pelo olhar europeu foi concebida como natureza natural, e como tal foi aceita
pelos latinos americanos” (PERRONE, 1997, p. 252). A natureza apresentada na
campanha publicitária do Renegade não é a imagem da natureza criada pelos
brasileiros, mas uma natureza que torna-se bela comparada com a europeia, e
passamos a nos ver pelo olhar do “outro”, a ver a nossa natureza hoje como o
europeu via no momento do descobrimento do Brasil.
“Essa natureza, muito favorável ao desenvolvimento
do gênio, esparze por toda parte seus encantos, circunda os centros urbanos com
os mais belos dons” (DENIS, 1978, p. 37-38). A propaganda do novo Jeep se
apropria e traz de volta todo o imaginário europeu, imaginário da terra
propícia em que tudo o que se planta dá, os arvoredos, as águas infindas, o
vento forte para poder convencer o telespectador que o Jeep é o carro que está
pronto para desvendar, trilhar toda essa terra.
Sendo assim os brasileiros devem comprar o novo Jeep Renegade, pois é
através dele que iremos conhecer a “nova terra”. A natureza será descoberta
retomando a ideia de que o Brasil tem uma natureza selvagem.
Quando os colonizadores europeus
chegaram ao Brasil, procuraram descrever toda paisagem que foi vista durante a
viagem, como relata o trecho da carta de Pero Vaz de Caminha a D. Manuel, rei
de Portugal: “Neste mesmo dia, à hora de vésperas, avistamos terra!
Primeiramente um grande monte, muito alto e redondo; e depois outras terras
mais baixas ao sul dele; e terra chã, com grande arvoredo”. (CAMINHA 1981, p.
96). Esta foi a descrição da natureza e a formação do imaginário europeu em
contato com a “nova terra” que estava sendo descoberta.
Considerações
finais
O novo Jeep apresenta as matas
brasileiras como se fosse um lugar de diversão e busca por aventuras, o Renegade
se vê atraído pela floresta e quer habitá-la, andar por ela. A maneira de ver a
natureza no Brasil não mudou muito dentro da publicidade brasileira, os olhares
que vieram desde a época dos colonizadores, ganhando força durante o romantismo
brasileiro, continuam a ser repetidos na atualidade.
O Brasil continua a ser lembrado, não
pelas histórias de independência do país, pelos índios que são constituintes da
identidade brasileira, a nossa trajetória nunca é lembrada de maneira bonita,
mas nossa geografia sim: “pouca história e muita geografia assim nos veem e,
pior, assim nos vemos” (PERRONE, 1997, p. 253).
Passaram-se muitos anos desde a época do
descobrimento até os dias atuais, porém essa ainda é a imagem que se tem do
Brasil dentro e fora do país, a noção da natureza exuberante, porque este foi o
retrato aceito pela sociedade brasileira de forma simples e sem
questionamentos.
REFERÊNCIAS
CAMINHA, Pero. A carta de Pera Vaz de Caminha. São Paulo: Moderna, 1999.
DIAS, Gonçalves. Canção do exílio. Coimbra: 1843.
PERRONE, Leyla. Paradoxos do
nacionalismo literário na America Latina. 14°
Congresso da associação Internacional de Literatura Comparada. Edmonton,
Canadá, ago. 1994.
DENIS, Ferdinand. Resumo da História
Literária do Brasil. In: CESAR, Guilhermino (Org.). Historiadores e críticos do romantismo. 1. A contribuição europeia:
crítica e história literária. SP/RJ: Edusp/LTC, 1978, p. 35-86.
VIMEO. Disponível em:
. Acesso em: 25 set. 2015.
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