As sociedades, desde as mais antigas até as modernas ou
ditas contemporâneas, possuem certos rituais que compõem suas culturas. A exemplo,
temos as cerimônias de casamentos, as procissões com santos ou de outras
ordens, as passeatas e, até mesmo, os protestos. Estas manifestações são vistas
por todos, são coletivas, e fazem parte do cotidiano da sociedade. A estas
manifestações, de acordo com a teoria literária, dá-se o nome de Teatrón — manifestações do
cotidiano, da vida social. Mas, quando as manifestações, além de existirem para
serem vistas, possuem um local determinado para serem exibidas — o teatro —, despertam no
espectador questionamentos, reflexões, suscitam perguntas irrespondíveis e
produzem tensão. Temos, então, o Dramatós.
Quando pensamos no significado da palavra dramatós, no contexto da literatura, e
nos transportamos até a Grécia do século V a.c., uma Grécia dividida entre a
suprema autoridade e poder inquestionável exercido pelos deuses, e a
necessidade de organizar uma sociedade com regras que garantissem uma ordem
social, não fica difícil imaginar o que as autoridades políticas pensaram fazer
com o Dramatós, melhor dizendo, o teatro
dramático que começava a se formar.
A Grécia do século V a.c. estava começando a formar a noção
de coletividade, porque até então o que havia era o sistema de clãs. E, nesta
sociedade coletiva, todos precisavam viver em prol do coletivo. Isto
significava que não poderiam fazer aquilo que lhes viesse à cabeça, era
necessário seguir uma ordem: leis, deveres, direitos. Mas como alcançar isso em
uma sociedade dominada pelos mitos? Uma sociedade que acreditava que os deuses
regiam todas as coisas, inclusive as ações dos homens? Simples, era preciso
questionar este sistema até então vigente. Questionar os deuses, questionar seu
domínio sobre as ações humanas, sua benevolência. Questionar, esta era a
palavra de ordem. Mas a quem delegar esta tarefa? Que instrumento usar? É aí
que entra a tragédia.
E se o teatro trágico era o instrumento, ele precisava
alcançar a todos. E assim foi feito. A tragédia começou a abordar temas que
causavam uma tensão imediata, suscitavam nos expectadores a compaixão e o
terror, levando-os a se colocarem no lugar do personagem, a questionar os
deuses e a temer se verem em situação semelhante àquela vivida pelo personagem.
O personagem, ou melhor, o herói era, a princípio, colocado como
alguém poderoso, influente, digno de ser imitado. No entanto, esse herói é
jogado nas piores situações por um erro trágico, a Hemartia, e deixa de ser um modelo para se tornar abominável, um
ser cheio de questionamentos, conflitos, semelhante ao herói moderno. Em Édipo Rei, de Sófocles, o herói é Édipo,
que se vê diante de uma profecia nefasta. E, para livrar-se deste destino, foge
— Hibris. Contudo, sua fuga o
conduz justamente ao cumprimento desta profecia, embora ele não saiba. Édipo
mata o pai em um entroncamento de três caminhos — Hemartia — e, depois de desvendar
o segredo da esfinge em Tebas, casa-se com a rainha da cidade, que vinha a ser
sua mãe. Novamente é preciso dizer, Édipo não tinha nenhum conhecimento de tais
parentescos. Édipo comete dois erros nefastos: matar o pai e casar com a
própria mãe — parricida
e incesto. Estes temas ou outros igualmente fortes estarão sempre presentes nas
tragédias.
A história de Édipo traz ao público profundos questionamentos.
A de se perguntar: por que um deus decreta tão duro destino a uma criança? Por
que o castigar se foi o próprio deus quem decretou tal profecia? Que deus é
esse tão cruel? É preciso perguntar ainda: será que Édipo tinha escolha? A
estrada era um entroncamento. Será que não temos mais de uma saída para as
situações de tensão? Por outro lado, se Édipo não sabia, embora a culpa seja
fato, quem estava matando e com quem estava casando, qual o grau de culpa que
ele tem? Estas eram perguntas que provavelmente os espectadores se faziam ao
longo da peça, mas tais perguntas não tinham a pretensão de serem respondidas.
Permaneciam no ar, levando os espectadores a tomar mais cuidado com seus atos,
a fim de não se verem em desventuras como a de Édipo.
Outro ponto que é importante salientar é que, a despeito do
grau de culpa de Édipo, o crime precisava ser punido e esta punição recaía sobre
quem o cometeu. Não era mais delegada culpa a deus algum. O homem é que deveria
arcar com sua culpa.
Esta concepção colocaria ordem na desordem social, pois
todos precisavam saber seu papel na coletividade, precisavam saber quais seus
deveres e precisavam arcar sozinhos com seus erros.
REFERÊNCIAS
SÓFOCLES. Édipo Rei. Porto
Alegre: L e PM Pocket, 2013
SANTOS, Adilson dos. A tragédia grega: um estudo teórico.
Revista Investigações, n. 1, 2005. Disponível em: <http://www.revistainvestigacoes.com.br/Volumes/Vol.18.N.1_2005_ARTIGOSWEB/A-tragedia-grega-um-estudo-teorico_ADILSON-DOS-SANTOS.pdf>.
Parabéns! O texto sobre a Tragédia Grega está excelente.
ResponderExcluirMuitíssimo obrigada!
ResponderExcluirMuitíssimo obrigada.
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