* Por
Rosana Carvalho
Sob o Ditame de
Rude Almajesto - Sinais de Chuva é um documentário rural produzido por
Olney São Paulo em 1976. Esse curta-metragem tem argumento inspirado na crônica
homônima do escritor feirense Eurico Alves Boaventura. O cineasta Olney São
Paulo é natural de Riachão do Jacuípe, mas foi em Feira de Santana que Olney
descobriu o amor pelo cinema e onde passou a desenvolver seus dons artísticos.
Olney é mais conhecido pelo seu média-metragem Manhã Cinzenta, de 1964, que lhe rendeu prisão e processo durante um
dos períodos mais críticos da Ditadura Militar. Ele sempre foi apaixonado pela
temática sertaneja. Sinais de Chuva,
segundo o próprio Olney, era um retorno a suas origens para documentar a
preocupação do seu povo, no que se refere às condições climáticas da região.
Nesse
documentário, o cineasta lança mão do diálogo com a literatura e com a música na
construção dos significados para narrar a experiência do homem do campo em
prever, nos sinais da natureza, se o ano terá ou não muita chuva no inverno.
Trata-se de ensinamentos preservados na oralidade e transmitidos através das
gerações como herança emocional. Sinais
de chuva reproduz o lirismo e a cultura do camponês, seu apego pela terra e
sua esperança em dias melhores.
Em
Sinais de chuva, através do
depoimento de Edgar Toledo, um sertanejo já idoso que viveu a seca de 1932, o
espectador fica sabendo como ele percebe nos sinais da natureza se o inverno
será chuvoso. A voz de Edgar em off
se mistura com as vozes de outros dois camponeses, Valdenei, irmão de Olney, e
Roque, que também contam suas experiências com a prática destes sinais: os
ramos que o vento joga na estrada, quando o mandacaru floresce, quando o cupim
cria asa ou a formiga avoa e até mesmo o cheiro da vegetação. Todo o depoimento
é ilustrado com imagens da região onde vivem: as fazendas, os currais, o
trabalho nas plantações, o hábito de pegar água nas cacimbas e os sinais de
chuva (a lua no céu durante o dia, a flor do mandacaru, a neve na serra etc.).
As
músicas que compõem a trilha sonora do documentário contribuem no processo de
adaptação da narrativa literária de Eurico Alves em uma narrativa
cinematográfica. Essas canções sertanejas dialogam com a temática da crônica e
do documentário e ampliam o significado das imagens. Em alguns momentos do
filme, enquanto os sertanejos explicam os sinais de chuvas, aparecem na tela
imagens que ilustram esses sinais e, em alguns momentos, o espectador pode
perceber, concomitante aos depoimentos, melodias das canções que também
explicam os sinais. Por exemplo, quando um dos sertanejos explica o sinal de
chuva indicado pelo marimbondo exu-caboclo, pode-se ouvir, como fundo sonoro, a
melodia da música Marimbondo de Luiz
Gonzaga cuja letra também explica esse sinal.
Bill
Nichols distingue, na história dos filmes documentais, quatro estilos de
produção, cada um com características formais e ideológicas próprias, a saber:
o discurso direto, primeira forma acabada de documentário, o cinema direto, um
terceiro estilo surgido a partir de 1970, que incorpora o discurso direto só que
na forma de entrevista, e um estilo mais recente, auto reflexivo, que mistura
passagens observacionais com entrevistas. De acordo com a essa divisão de
estilo proposta por Nichols, o documentário de Olney desenvolve o estilo de
cinema direto ou cinema verdade, pois suas cenas são construídas a partir de
vivências reais acerca do assunto tratado, visando um efeito verdade através do
imediatismo e da impressão de captura de cenas reais e diretas do cotidiano de
determinadas pessoas, o que, segundo Nichols, caracteriza o estilo de cinema
direto.
As
crenças sertanejas para prever épocas de fartura de água ou para se preparar
para avassaladoras secas, bem como o cotidiano da população sertaneja e seus saberes são
exibidos de modo poético no documentário que reconstrói através de imagens a
crônica de Eurico Alves e as canções nordestinas de Luiz Gonzaga. O
documentário é formado por depoimentos de vivências reais no sertão e o
descompasso entre as imagens e os depoimentos pode ser atribuído ao baixo
orçamento do cinema brasileiro daquele momento. Em Sinais de chuva Olney reconstrói o ideário do sertão fabulando
realidades, captando personagens em situações previstas ou improvisadas essa
produção cinematográfica revela o imaginário do homem sertanejo com suas
crenças acerca da chuva; situado entre o “cinema direto” e o “cinema verdade”, esse documentário vai além de reconstruir fábulas ficcionais das situações
reais, ele é fundamental para discussão de aspectos importantes da cultura popular
brasileira.
Referências
JOSÉ,
Angela. Olney São Paulo e a peleja do cinema sertanejo. Rio de Janeiro:
Quarteto, 1999.
NICHOLS,
Bill. A voz do documentário. In: RAMOS, Fernão (Org.). Teoria
contemporânea do cinema: documentário e narrativa ficcional.
São Paulo: Editora Senac, 2005. p. 47-67. v. 2: documentário e narratividade ficcional.
NOVAES,
Claudio Cledson. Aspectos críticos da literatura e do cinema na obra de Olney
São Paulo. Salvador: Quarteto, 2011.
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Rosana Carvalho é graduanda em Letras Vernáculas da UEFS e Bolsista de
Iniciação Científica Probic/Uefs
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