É
possível registrar a experiência sob uma inscrição em papel? Sim, e é isso o
que demonstram nossos currículos. Antes de registrarem títulos (entendido, a
grosso modo, como um atestado de vida
intelectual e prática), eles resgatam, por comprovação, experiências; algo como
uma fotografia cognitiva, onde o complemento se torna cada vez mais valioso,
não pelo papel, mas pelo que se pode discorrer a respeito dele. Todos os
momentos desde o primeiro lapso – o momento primordial da ideia – até a última
palestra ou comentário, são vividos como se fosse uma cumulação (conceito da
Linguística: reunião,
num mesmo morfema, de várias funções gramaticais [talvez significações]) – e
não acumulação – de conhecimento.
Esse todo, com a
sucessividade de nossas experiências, transforma-se em saber, mais atemporal,
pessoal e intrínseco, assim, a cada faísca de pensamento que singulariza cada
um de todos nós. Penso que nossas indistintas assimilações, com o tempo, como
que decantam nos locais mais ermos de nossas lembranças e, em momentos
inesperados, surgem feito “a mão” que movimenta certo volume de água, ar... ou
globo com bolinhas – tanto do bingo mais próximo como o da Mega Sena – atrás do
que falta para o grande prêmio. Em instantes, passa-se do que se julga um “mero
mortal” à momentânea impressão da mais completa e exuberante inteligência
humana – estado não só de inteligibilidade, mas de sapiência. Assim, tateamos o
reino das palavras em estado de dicionário, como poetiza Drummond. Os vocábulos
substantivam nossas ações e percepções de espaços, pessoas, notícias,
comportamentos, concepções sobre diversos assuntos e relações entre campos do
conhecimento. Talvez a consequência disso seja presenciarmos uma expansão (não
crescimento) e conforto que impulsiona nossas vidas a buscar cada vez mais
experiências, mais conhecimento, mais capacidade de relacionar, mais eventos,
mais sensação de saber... e claro, mais documentos que os comprovem.
Mas
há de se averiguar o verso deste pensamento – quase com status de lei de formação – cognitivo, intelectual e social. Um dos
riscos da comprovação do conhecimento é a burocratização do saber e o encontro
de fendas no “espaço-tempo” de nossas atividades. Somente a teoria da
relatividade e seus desencadeamentos contemporâneos nos mais diversos campos do
saber poderia dar conta dos casos de onipresença, onipotência e onisciência que
emergem tanto de nossas TVs ou telas de computador quanto das demais formas
percebidas através do globo ocular.
Assisti
a um filme no qual, em determinada cena, o professor pergunta “a seus alunos”
(contexto do filme): “Qual a genialidade da constituição?”.
A
resposta que “impressionou” (com mérito)
o professor (mas regozijou a turma) foi a seguinte:
“- A genialidade da Constituição é que sempre
pode ser mudada. A genialidade da Constituição... é que não manda
permanentemente, mas contida... na sabedoria das pessoas comuns para se
governarem. 'Confiança na sabedoria do povo... é exatamente o que faz a
Constituição incompleta e crua' [Fala do professor]. Crua? [...] Nossos ancestrais eram fazendeiros,
brancos, de meia-idade... mas eram também grandes homens... porque eles sabiam
algo que todo grande homem deve saber: Que eles não sabiam tudo. Eles sabiam
que podiam cometer erros, mas inventaram um jeito de corrigi-los. Eles não se
achavam líderes. Eles queriam um governo de cidadãos, não de realeza. Um
governo de ouvintes, não de conferencistas. Um governo que pudesse mudar, não
ficar parado. O presidente não é um rei eleito, não importa quantas bombas
possa jogar... porque a crua Constituição não confia nele. Ele é um servo do
povo. [...] O único prazer que ele busca é... liberdade... e justiça.”
Uma pergunta a ser formulada a respeito da cena: Quem responde ao professor? Um autointitulado vagabundo de Harvard.
Danilo Cerqueira Almeida
Cena do filme Com Mérito (Dir.
Alek Keshishian, 1994).
Filme sensível e com uma mensagem muito profunda!
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